Por que não nasci eu um simples vaga-lume? - crônica de reminiscências

No início era um menino espiando-me por debaixo da porta, impossível não notar a sua presença. Eu teria lhe aberto a porta, convidado-o a se sentar, conta pra mim, psiu de luz, como é precisar eternamente da escuridão para brilhar? Mas o vaga-lumezinho dispensou o convite e adentrou o ambiente sem cerimônias, crescido, seguro, passeando pelo piso, aninhando-se atrás do sofá, até desaparecer dos meus olhos.

Foi uma visita rápida.

A última vez que eu havia estado na companhia de um, foi nos idos de 1996. Um ano deveras especial: primeiro emprego, namorado, primeiro ano na universidade. Lembro-me que na noite da sua aparição, eu estava com uma febre inapagável; decidiram me levar ao pronto socorro. Foi aí que o pirilampo apareceu, como hoje, rompendo a breu da alcova, trazendo luz a minha dor. Dispensei o médico, a febre cessara subitamente, como esquecer?

Um vaga-lume não se apaga facilmente da memória. O primeiro feixe de luz nos seduz de cara e nos transmuda sutilmente.Sua claridade nos tira da caverna, vasculha as nossas noites internas, abre fendas em nosso cotidiano, obrigando-nos a extrair poesia de onde nada víamos.

*Por que não nasci eu um simples vaga-lume?

(Maria Shu – 08 de janeiro de 2014)

*verso de um poema de Machado de Assis

Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 08/01/2014
Reeditado em 08/05/2017
Código do texto: T4641004
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