FORMIGAS
FORMIGAS
Marcope
Uruaçu, 30/10/ 2011
Ligou o computador, abriu o editor de texto e ficou olhando a tela branca. Queria escrever um conto, mas não lhe ocorria nenhuma idéia. Consolou-se lendo “O Martírio do Artista” de Augusto dos Anjos e só não esmiglhou o PC na porrada, como Augusto ao papel, por faltar-lhe dinheiro para comprar outro, como se a máquina fosse culpada de sua falta de inspiração:
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas frontais células guarda!
Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
E como o paralítico que, á míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem á boca uma palavra!
A leitura do soneto acalmou o escritor, mas deixou-lhe um travo amargo de frustração. Foi à cozinha, tomou uma xícara de café amargo e foi sentar-se à sombra da árvore na calçada, pensado em se distrair vendo as pessoas passarem pela rua, se cumprimentarem e tirar um dedo de prosa. Mas era domingo, e a rua estava deserta. Desolado, sentou-se ao pé da árvore, naquela banquetinha circular feita para reter a adubação e a água.
Colou os cotovelos nos joelhos e escorou o queixo com as mãos, contemplando duas formiguinhas pretas que andavam rapidamente de um lado para o outro, mas sempre voltando ao ponto de partida. O percurso de ida e volta era de mais ou menos vinte centímetros. Quando as duas se encontravam davam uma paradinha rápida e se cumprimentavam tocando antena com antena. O contemplador entendeu que estavam procurando comida e imaginou que nada encontrariam sobre aquele piso esmaltado, tão limpo. Pensando ajudar, voltou à cozinha, pegou uma pitada de açúcar e colocou no espaço onde seria fácil ser encontrado por elas.
Em menos de um minuto as duas estavam se banqueteando e pela forma como erguiam as cabecinhas e agitavam as antenas pareciam estar muito felizes. O açúcar, apesar de ser apenas uma pitada, era suficiente para muito mais formigas. O observador, imaginava que aquela migalha fosse bastante para alimentá-las por vários dias se não fosse levada pela chuva. Engano seu: em pouco tempo apareceu uma terceira formiga; segundos depois, uma quarta; e, em seguida, a quinta... Em pouco tempo eram tantas que não foi mais possível contá-las. Quando o chão estava preto; quando já não se via um milímetro sequer do piso branco no espaço ocupado por tantos bichinhos inquietos, dez pardais aterrissaram a dois metros do homem e caminharam saltitantes para o formigueiro.