O anjo pornográfico
 
                                     "Sou um menino que vê o amor pelo buraco
                                      da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci
                                      menino, hei de morrer menino. E o buraco
                                      da fechadura, é realmente, a minha ótica de
                                      ficcionista. Sou (e sempre fui) um    anjo
                                      pornográfico".   Nelson Rodrigues
 
 
                               Não tenho mais dúvida de que a vida é uma eterna caixa de surpresas. Dirão meus amigos e amigas que não estou sendo nada original com essa frase. Lembro então aos que já começam a me criticar que o ditado referente à caixa de surpresas se refere ao futebol. Aqui estou dando uma elasticidade maior e ponho a vida em jogo  e não apenas o futebol. Não estamos sempre sendo surpreendidos pelos acontecimentos, e dos mais variados? Falei isso para dizer que li outro dia uma antiga crônica do genial Nelson Rodrigues. Todos sabem que ele jamais fez qualquer concessão à poesia. Era um realista nato e gostava era mesmo de descrever as desgraças da vida. Pois bem, meus amigos e amigas,  li e me diverti muito quando ele, falando a respeito dos idosos, nos diz, com a irreverência costumeira, como nasceu o famoso filósofo Confúcio. Antes que conclua, aviso à minha turma que perdi essa crônica, portanto não me cobrem a veracidade do que vou dizer.  Muito bem, como eu ia dizendo, o Confúcio nasceu de um encontro de um raio de sol com o ventre de uma linda moça chinesa em um belo jardim. Quero que os amigos apreciem a imagem por demais poética. Nunca vi imagem tão linda. E mais: o nosso filósofo já nasceu com 70 anos e  já com bengala...  Minto, queridos amigos, nasceu com 90 anos, agora me lembro. Quem nasceu com 70 foi o Rui Barbosa, já Conselheiro e já "Águia de Haia, segundo o nosso Nelson.
                        O que eu quero dizer mesmo, meus amigos e amigas, neste nascimento de um novo ano, é que precisamos de uma cara, de um rosto, de preferência de alguém carismático. E, claro, de um coração-menino.
                        O Nelson Rodrigues dizia, no tempo dele, que  estava vivendo uma época cardiológica e não erótica, como muitos pensavam. Os enfartes eram abundantes...
                        Eu diria, e isso me assusta, que vivemos uma época sem cara, sem rosto, o que me faz pensar na frase terrível do Woody Allen: - “Mais do que em qualquer época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto. O outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de escolher”.
                        Ontem, vi na televisão o bom caráter Ronnie Von. Ele revelou com todas as letras que, de maneira geral, um músico para aparecer na mídia precisa pagar. Antes, o músico aparecia por seu talento natural. Hoje, se não tiver pelo menos dois milhões de reais, a mídia não o apresenta ao grande público. E ele deixou de cantar por esse motivo.  Só ontem, com essa revelação, descobri porque, em termos de arte, estamos vivendo uma tenebrosa época de mediocridade.  O vil dinheiro contaminando tudo, e  não temos a quem apelar. E como somos ingênuos com relação às trapaças da vida...
                        Teimo em buscar uma terceira opção para  o ditado pessimista do Woody Allen.
                        Não perder a alegria me parece um quesito básico. As culturas são diferentes, mas no íntimo penso que temos uma senha para a felicidade ainda não descoberta. A cara lavada e as janelas bem abertas do coração, com certeza fazem parte do nosso código secreto.
                        Não necessariamente precisamos fazer poemas para ser poeta. Todos somos poetas da vida e o prosador faz poesia nas suas crônicas.
                        Estamos aqui justamente relutando para que o homem não seja um fracasso. A grande dificuldade, reconheço,  é que cada um de nós é um mundo diferente e ainda não aprendemos bem a respeitar o outro.
                        Abraçando os queridíssimos amigos e amigas, neste papo informal de recomeços,  desejando um feliz 2014,  encerro a conversa com o grande humor do Barão de Itararé: - “ Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes”.