Minha crônica do dia
Há alguns meses me propus a missão de escrever uma crônica por dia, custe o que custar. É o tipo de coisa que só poderia ser proposta por um alemão, único tipo com disciplina e teimosia suficientes para continuar depois dos primeiros dias. Mas mesmo um alemão precisa considerar que nessa missão existem problemas tão difíceis de se resolver quanto a falta de inspiração. Acontecem muitas coisas imprevisíveis durante o dia que adiam ou até mesmo ameaçam o momento de escrever. Tanto mais para mim, que sou brasileiro e tenho no máximo uma genealogia germânica.
Hoje, por exemplo, eu tirei o dia para visitar a minha avó, que mora a duas hora de ônibus daqui. Voltei no fim da tarde e, pelos meus cálculos, daria pra chegar em casa pelas nove da noite e escrever uma crônica que eu já tinha mais ou menos estruturada na cabeça. Só que eu não contava com o imprevisível. No meio da viagem, o motorista avisou que um farol se apagara e era arriscado continuar sem ele. Disse que outro ônibus chegaria para nos levar dali a meia hora, uma hora – com sorte.
Foi ele fazer o anúncio e começaram a pipocar por todo o ônibus protestos de quem não poderia chegar atrasado na rodoviária, pois já tinha passagem comprada para outro lugar. Gente que exigia um táxi imediatamente. Juntei-me a esses e expliquei o motivo do meu desespero: “Eu preciso chegar em casa antes da meia-noite porque ainda não escrevi a minha crônica do dia!”. Por algum motivo eu não consegui a aprovação geral que imaginava e tampouco me deram um voucher para ir de táxi.
Miseravelmente, eu estava sem papel e caneta por perto, do contrário teria escrito ali mesmo – e provavelmente seria uma crônica de impropérios à empresa que me levava. Já cheguei a escrever textos inteiros no celular mas, para o cúmulo do azar, ele estava sem bateria àquela hora. Passei momentos de agonia enquanto esperava. Até que cheguei em casa e despejei tudo isso no papel.
E ainda faltam 20 minutos para a meia-noite.