Tanta gente morando junto
Ao visitar a minha mãe passo a fazer parte de um pequeno universo que atende pelo nome de condomínio. É um punhado de pessoas que se viram obrigadas a compartilhar o mesmo endereço com quem nunca viram na vida. São duas mil pessoas separadas em 20 blocos de 3 andares. No meio do condomínio há um casarão que só não foi derrubado porque é tombado pelo patrimônio histórico. Lá funciona durante o dia a administração – à noite o espaço é ocupado pelos fantasmas. Reza a lenda que naquele casarão uma noiva matou seu esposo na noite de núpcias. Alguns vão mais longe e dizem que o morto foi o poeta Emiliano Perneta. O fato é que desde então a noiva tem assombrado o lugar e é devido a sua maldição que o condomínio não vai pra frente e a cada ano se afunda mais em dívidas.
Mesmo assim tem sido feitas algumas melhorias para garantir a segurança dos moradores. Isso deveria impedir que qualquer um entrasse no condomínio, mas a verdade é que, quando cheguei à portaria e anunciei o apartamento que pretendia visitar, o portão foi aberto para mim sem maiores questionamentos. A própria porta do bloco estava aberta, de modo que cheguei até o apartamento da minha mãe sem precisar de nenhuma chave e de nenhuma confirmação da parte dela.
Tanta gente morando junto também significa muitos carros estacionados, mas nem sempre há espaço para todos eles. Não demorou muito até que surgisse um mercado paralelo para comercialização de vagas de estacionamento. De certa forma é uma maneira dos moradores se relacionarem entre si, coisa que costuma acontecer apenas durante as partidas de futebol – é lindo acompanhar a guerra de gritos na janela.
Verdade que também há alguns que querem se relacionar demais. Há alguns dias minha mãe, que mora no primeiro andar, foi acordada de madrugada por batidas na janela do banheiro. Assustada, demorou a perceber que se tratava de um vizinho embriagado. Não foi uma coisa agradável, mas pelo menos não era a noiva do casarão.