2014 - TUDO DE NOVO OUTRA VEZ
Logo cedo pela manhã do dia primeiro de janeiro de 2014, saio para o trabalho, como de costume, da mesma maneira como já o fiz repetitivamente nos mais de trezentos dias de 2013. Durante o trajeto, vejo pessoas eufóricas, esperançosas, revigoradas, cujas bocas têm já o formato de felizanonovo, de tanto o repetirem, quase à exaustão. Vez em quando vem um, surgindo do nada, bate de leve no meu ombro e deseja mais uma vez um “feliz ano novo”. Já outros me atalham com os braços abertos, abraços apertados, com as bocas escancaradas, beijos exagerados na testa e afagos efusivos. Assusta-me aquilo. Vejo neles o semblante mudado, os olhos vívidos, marejados, vampirescos, fora das órbitas, como se fossem zumbis. Certamente, estão já contaminados com a histeria coletiva do novo ano.
Confesso que não sei o que há comigo por não ter a mesma euforia. Não vejo de maneira alguma um novo ano. Para mim, tudo não passa de uma grande conspiração mundial para dominação da massa. Apenas uma convenção materialista de que realmente o homem controla o tempo e seus eventos. O que mais me impressiona é a facilidade com que a maioria das pessoas aceita essas convenções. Mas o que há comigo? Serei eu uma espécie de Ebenezer Scrooge? Qual fantasma me levará aprisionado em suas correntes da morte para que eu abra os olhos da cegueira na qual me encontro? O que se passa comigo por não ceder e também enfim, euforicamente, cair nas graças do ano novo?
O fato é que não consigo. Não enxergo essa rampa imaginária que se ergue a cada fim do calendário, nessa falsa ideia de que recomeçamos a cada ano, de que seremos melhores no ano novo do que fomos outrora, de que vamos ter novas oportunidades, novos empregos, engordaremos menos, mentiremos menos, falsearemos menos, conquistaremos novas chances, experimentaremos novas expectativas. Na verdade, a expectativa é a grande filha da puta da história!
Com certeza me dirão que eu já estou ficando velho e que não mais compactuo da alegria dos jovens incautos que estão sendo abduzidos gradativamente pelo Sistema Capitalista, pela Nova Ordem Mundial, pelo Grande Irmão descrito por Orwell que tudo vê e que zela por todos, que desde milênios observa a Humanidade para que não se perca do rumo pré-estabelecido pelos donos do mundo.
Daqui a pouco virá o carnaval e vou ter que aturar aquele velho bordão: “Onde o senhor vai passar o carnaval”? Aí eu direi com aquela parcimônia somente atribuída aos deuses que também não gosto de pular carnaval, nem de folia, nem de que me perguntem onde vou passar o carnaval. Aí torcerão o nariz, farão aquela cara feia de espanto. É só um velho rabugento, dirão certamente.
Então sobreviverei a mais um ano, tudo de novo outra vez. E parodiando Machado, em vão lutando contra o metro adverso, só me saiu este pequeno verso:
"Mudaria o mundo ou mudei eu?"