PONTA NEGRA COMO VI E VIVI - UM MERGULHO NO TEMPO!
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- Picolé, quem vai querer picolé, gritava caminhando pela Praia da Ponta Negra, no final da década de 70. Recordei esse fato da infância, mas não vi mais as “duas pontas da enseada (...) ornadas de mato”, que formavam a Ponta Negra e a “Prainha” mais isolada, com árvores que beijavam as águas quentes do Rio Negro, nem areia branca e natural do lugar. Ela era fina e quente quando pisava, afundando as sandálias havaianas que usava no passado de minhas lembranças. A definição do historiador Mário Ypiranga Monteiro, desapareceu junto com os casais de enamorados mais isolados entre as árvores e pedras que existiam na Prainha, para ficar longe dos que chamavam chamar de “farofeiros”, por levarem galinha assada com farofa de casa em caixas de isopor, para a hora do almoço e também sanduíches para a hora do lanche. Nada disso existe mais de forma natural! Na década de 70 e início de 80, os farofeiros incomodavam. Na praia, se chegava também por barcos regionais, mas, existia uma estradinha serpenteando por entre sítios com plantios de cajueiros e casebres humildes cobertos de palhas, que fora asfaltada durante o governo de Gilberto Mestrinho (59/63).
Ao abraçar a nova Ponta Negra passei a viver em colóquio sentimental com meu passado e senti orgulho do que vi, feito pela capacidade do homem de mexer com a natureza, mas também senti pena por não terem destinado banheiros públicos na parte de cima para os frequentadores; por terem destruído as árvores que beijavam o rio e de cujos galhos também pulava na água depois que vendia os picolés. Das árvores do passado, dos pés de cajus que existiam, não vi nenhum sinal deles, como também não consigo mais ver nas Igrejas Católicas, confessionários que existiam no passado. Eram tantos! Será que na era da tecnologia, os internautas estão usando a lenta e cara rede para se conectar direto com Deus e não precisam mais de padres para intermediá-los com o Criador? Existem banheiros particulares que cobram 1 real para serem utilizados, mas, pelo menos, ainda estão limpos e conservados. Até quando, porém?! Como os usuários não os conservam, não sei se a cobrança pelo uso será uma solução. Como também não sei se a falta de confessionários para ligar o pecador ao padre e a Deus será possível sem os antigos biombos que ficavam separados, com um padre ouvindo confissões de pecadores. Ou o pecado desapareceu? Ou o pecado teria sido só uma criação da Igreja e a modernidade percebeu que poderia confessar seus pecados direto para Deus, mesmo com a péssima e cara internet? Mesmo que venha a ser possível essa conexão direta com Deus, deveria haver ao menos banheiro público na praia, administrado e mantido pelo município de Manaus e a volta dos confessionários nas Igrejas Católicas porque o pecado continua existindo!
Historicamente, há relatos distorcidos e controversos sobre o bairro mais distante de Manaus. O historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro, em seu livro “Roteiro Histórico de Manaus”, garante que a ocupação do bairro da Ponta Negra teria se iniciado em 1650, habitada por tribos indígenas. O historiador, antropólogo e artista plástico internacionalmente conhecido, Moacir de Andrade, afirma que uma missão fora fundada pelos jesuítas na área do Tarumã, para proteger a existência dos índios Aruaque e Alófila, mas não sabe ao certo se existe alguma ligação com a Ponta Negra. Mário Ypiranga, em sua obra, define o bairro como “uma via em declive tendo duas pontas da enseada que são ornados de mato”. Historicamente, o bairro Ponta Negra teria também local da tribo de índios Manaós. Há ainda outra versão da história que circula oralmente entre pessoas que se interessam pelo assunto, segundo a qual a praia - ou as duas “pontas da enseada (...) ornadas de mato”, teria sido “descoberta” por um pescador que procurava nas águas negras e quentes do Rio Negro, um local ideal para pescar.
Teria contado a “descoberta” ao professor do Colégio Estadual do Amazonas e, este, amigo do governador Plínio Ramos Coelho o nomeara prefeito do local. Na mesma época, empresário e dono do estaleiro Nilo Tavares Coutinho, também teria sido nomeado prefeito da comunidade de Rio Preto da Eva, hoje município a menos de 80 Km de Manaus. O empresário era avô do administrador de empresas, pesquisador, historiador e escritor Carlos Coutinho, que confirmou a informação. Pode ter sido também o caso da nomeação do professor Thales Loureiro para administrar a Ponta Negra. Se isso é verdade ou não, só confirmo que parte das terras da Ponta Negra é de propriedade da família Loureiro, herdeira do professor, que as loteou, transformou em condomínios de luxo, criou infra-estrutura e começou a vender terrenos para a construção de casas de luxo. Mas a história oficial nada registra desse período. Depois de 64, parte dos atos de nomeações do governador foram tornados sem efeitos pela Revolução Militar.
No colóquio sentimental com meu passado, entrei no túnel do tempo da época que vendia picolé, mas permanecia dentro de um ônibus da empresa Soltur, que explorava a linha só nos finais de semana, seguindo por uma estrada que parecia um caminho asfaltado, sem sarjetas ou infra-estrutura, chegando finalmente ao bairro mais distante de Manaus, a 13 quilômetros do centro da cidade. Mais tarde, embora não oferecesse muita segurança, a Ponta Negra virou um ponto de reunião da sociedade amazonense, como registra a história. Mesmo com a estrada asfaltada, chegar à praia era uma aventura. O processo de modernização da Ponta Negra começou na década de 70, com o coronel Jorge Teixeira de Oliveira, prefeito de Manaus que a duplicou e hoje dá nome à Estrada.
Depois vieram os conjuntos residenciais, sendo um dos primeiros o Jardim Europa, segundo a história. Frequentei a praia por algum tempo, mas agora estava retornando com minha esposa Yara, dirigindo seu carro e me encantei com a nova e artificial praia da Ponta Negra, construída pelos homens, mas com a destruição das antigas árvores, dos pés de cajus que existiam, das pedras que davam a beleza da Prainha e dos galhos das árvores que era a alegria da garotada. Em seus lugares, plantaram palmeiras e outras plantas ornamentais que não são típicas para o clima quente e úmido de Manaus. Mas ficou linda, perfeita e é mais um ponto turístico, um pouco caro em seus preços suportáveis para um aposentado pela Previdência Social que ainda paga Imposto de Renda de 7% ao mês e sem banheiros públicos na parte de cima para os frequentadores. O bom é que destruíram o belo local e construiu uma coisa mais linda ainda, com o fim da beleza rústica e natural, por cujo local eu gritava em meu corpo frágil de pouco mais de 20 quilos:
- Picolé, quem vai querer picolé.
Esse grito não se ouve mais, mas a saudade do que eram a Praia da Ponta Negra e a Prainha, continuará existindo em meu peito como uma marca de faca cortando o coração sentimental que não perde a mania de recordar o passado e projetando que o futuro que seria melhor se essas pequenas coisas fossem ao menos preservadas! Da antiga praia reformada pela mão humana, criando calçadas de ladrilhos hidráulicos e iluminação noturna a vapor de sódio, permanecem as areias finas que existiam com outras areias retiradas do rio e colocadas para aumentar seu tamanho, mas perdendo sua beleza natural. Contudo, se tornou um moderno complexo turístico.
Do passado que o menino picolezeiro guarda na retina de seus olhos e em seu coração melancólico, nada restou e, do futuro, pouco se saberá, porque dependerá dos permissionários zelarem pelo local que já serviu para o funcionamento de bares que incomodavam com som alto os vários prédios que surgiram na praia. Esses, também não existem mais! Como herança da antiga praia da Ponta Negra só restou mesmo os vendedores de coco, com suas barraquinhas cobertas com telhas de barro e padronizadas!