Cartas de amor
Terça era o dia de pegar as cartas no correio. Decorei isso, e o engraçado era que, quando ela ia pegar as cartas, ela ria absurdamente.
No começo achei que era algo que ela tivesse visto na TV, alguma comédia. Mas era toda terça, toda vez que ia pegar suas cartas.
Eu, na minha ingênua e curiosa velhice, que varria sempre a frente do meu apartamento, um dia resolvi perguntar àquela moça jovem qual motivo de felicidade.
Ela me olhou com um sorriso, e disse:
- Bem, não é beeem felicidade, só penso como as coisas são estranhas e engraçadas.
Ela então me olhou com ternura. Sempre me tratou bem como vizinha, e alguns finais de semana ela até me pedia dicas para cozinhar pães e bolos, e sobre experiências de vida.
- E qual o motivo dessas coisas estranhas e engraçadas, menina?
- Bem, dona Clô (assim todos me chamavam), acho engraçado como sempre me avisavam das coisas... Quando eu era pequena e morava com meus pais, não tínhamos muitos momentos de lazer, e a TV tornava-se o nosso contador de história.
Quando eu via aquelas novelas, filmes, desenhos, e eu via que o meio de comunicação, de expressar seus sentimentos era a partir das cartas.
Desde então, sonhava em receber cartas de amor, de carinho, de alguém de longe, mas que parou um pouco da sua rotina, fizera um rascunho, passou a limpo, e mandou de tão longe aquela carta que teve toda uma construção.
Bem, mas eu era criança, lia só algumas palavras, e mal sabia escrever para também fazer cartas. Mas, a partir disso, fazia questão de um dia da semana pegá-las na caixa de correspondência, e sempre ficava chateada - todas elas eram destinadas ao meu pai.
E sempre que eu ia entregar as cartas para ele, eu falava "Pai, quando eu crescer, quero ser igual a você... recebe tantas cartas, de tantos lugares... deve ter muita história aí!"; meu pai sempre ria, aquele riso com um fundo de dó, e me falava: "Minha filha, posso ter certeza que, quando você crescer, você vai se arrepender dessa sua ideia."
Eu ficava chateada, e chegava até a pensar como meu pai é maldoso, e não agradece por ter tanta sorte, de tanta gente mandando cartas a ele! Mas hoje eu olho, ele queria me proteger de alguma forma: queria falar para eu não desejar ser adulta assim, porque afinal, aquelas cartas eram apenas contas, pagamentos a fazer, avisos, e hoje, quando venho pegar as cartas, eu penso e sorrio - agora eu entendo meu pai, e devia eu ter continuado a acreditar em histórias e cartas de amor, ter feitos as minhas, e não esperar que elas viessem, pois o que vieram foram números, não palavras de amor...
Sabe, dona Clô, ser adulto é bom, mas ainda reviver em nossa memória essa parte da infância em que o amor domina, faz de nossas almas mais jovens.
Na outra semana, recebi minha carta de amor. Era daquela jovem, que decidiu, então, colocar em prática seu sonhos de menina.