A mega sena da virada
Nem a fina garoa que insistia em cair o dia todo fez a multidão desistir da fila que àquela altura já dobrava o quarteirão.
Sim, era ela o motivo de tamanha excitação. A mega sena da virada, e seu prêmio estimado em mais de 200 milhões de reais. Dinheiro que não acaba mais. Se bem que o Mike Tyson tinha mais que isso, e segundo a lenda, está falido. Dizem que o mesmo se sucedeu a Michael Jackson, embora tenha deixado o mundo antes que o Oficial de Justiça penhorasse sua Neverland. Nevermore. Nevermind.
Sempre me intrigo com esse frenesi coletivo toda vez que a mega-sena acumula e os prêmios passam dos 30 milhões. Porque essas hordas só se interessam quando o prêmio ultrapassa essa cifra? Numa apuração normal, de meros 10 milhões, pouca gente se movimenta. Ninguém comenta no escritório ou faz bolão. As TV’s ignoram. Passou de 30, 40 milhões e isso monopoliza a atenção do país. Por que? Se forem 10 milhões não vale a pena?
O curioso é que nessas ocasiões, quando você conversa com as pessoas elas dizem:
- “Ahh… eu nem sei o que faria com tanto dinheiro. Para mim, 3 milhões já tava louco de bom”…
Se tava louco de bom 3 milhões, porque só joga quando passa de 30? Suas chances de ganhar são rigorosamente as mesmas, ou seja, praticamente nenhuma. Segundo o site da Caixa Econômica Federal, a chance de você ganhar na mega sena com uma aposta simples é de uma em mais de 50 milhões. A proporção é tão ínfima que é até difícil se abstrair. É como se você fosse disputar esse prêmio com toda a população dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Isso mesmo, toda a população, incluindo bebês, idosos, psicopatas e encarcerados. Aí um avião sobrevoa esses dois Estados e solta lá de cima, num ponto aleatório qualquer, um único bilhete premiado. Se cair na sua mão, você é o ganhador. Fácil, não? Estatisticamente falando, há 50 vezes mais risco de um raio cair na sua cabeça no caminho para a lotérica do que faturar a bolada com uma aposta simples. Se você for um neurótico do tipo advanced, sugiro sair de casa munido de umas 70 apostas diferentes, só para ter a sensação de que a estatística nefasta dos raios será menor do que a chance do prêmio.
Mesmo assim as pessoas não dão bola, só pensam na bolada. O site da Caixa não traz essas estatísticas, mas eu apostaria R$2 que mais da metade dos apostadores acredita piamente que vai ganhar. Mulheres brigam com sogras, antecipando uma partilha improvável. Ferraris e viagens de luxo são cobiçadas. Casais combinam em que cidade retirar o prêmio, em que banco abrir conta. 1 em 50 milhões? Quem liga para as teorias probabilísticas?
Números, quando muito fora da nossa realidade cotidiana, se tornam uma abstração incompreensível. Conheço a história de um operário humilde que ganhou um prêmio da Loteria Federal, algo como uns R$20 mil. Chamou o patrão (que devia ganhar isso por mês), mandou-o à mierda e disse que não precisava mais daquele emprego de buesta. Cabra macho.
Aliás, a julgar pelas entrevistas, uma ideia recorrente dos apostadores é parar de trabalhar. O que você faria se ganhasse a mega sena da virada sozinho? 200 milhões de reais! Pararia de trabalhar? Não, não responda ainda. Imagine que você ganhasse sozinho de novo. Mais 200 milhões. E de novo. E de novo. E assim sucessivamente, zilhares de vezes, bilhões de reais. Estaria trabalhando? Esse é o tamanho do patrimônio dos bilionários do Brasil e do planeta. E pelo que consta, a maioria continua trabalhando.
Eu também continuarei trabalhando, não por diletantismo, mas porque mais uma vez não ganhei o prêmio, que saiu para quatro sortudos apostadores de Curitiba, Palotina, Maceió e Teofilândia.
Quarta feira sempre baixa o pano, já esperava por isso. Mas não está de todo mal. Não ganhei a mega sena, mas ainda estou com a cabeça intacta de raios e descargas elétricas, o que será muito útil para os próximos 12 meses de trabalho que me esperam.