SORRATEIRA SALVAÇÃO
Veraneio à beira-mar, solito, babando um mate-chimarrão, ao frigir dos ovos e no descascar das batatas para o purê, enquanto o arroz à carreteiro apronta... Em verdade, surrupiei da memória o assado, porque o calor tá demais. Um forno este verão, apesar do ventinho que vem do mar! De antemão, sei que mais tarde vai faltar vontade de fazer uma caminhada pra que a comida não fique pesada no estômago. Enquanto isso, o fogão tosse ao engolir o gás... Sinto aprochegar-se a fome na memória da língua. Bate o temor de que o meio-dia seja de barriga vazia... Porque hoje é dia de Ano Novo e os bolichos das cercanias estão fechados, os bolicheiros escondidos da freguesia. Talvez tenham ido lagartear ao sol e salgar o lombo na praia. Mas a minha cabeça é irritante e traidora... Voeja, pousando na mesa do vizinho, de onde vem um cheirinho de churrasco. Bem, há uma saída: posso compensar tudo levando o vinho tinto, sob o pretexto de desejar votos de bem-aventuranças. Mas bah! Agora não há outro jeito: faliu o gás... Sem saber, o vizinho grita por cima do muro: te aprochega, vivente, que o churras tá pronto!
– Do livro A BABA DAS VIVÊNCIAS, 2013.
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