COMPRA-SE UMA FOLHA EM BRANCO

Preciso comprar uma folha vazia, totalmente branca, inocente de palavras, tocada apenas pelo fio da guilhotina que lhe fez nascer a forma.
Não importa o seu preço, mas quero uma folha em estado de letargia, ainda não fecundada por nenhum ato de amor. Uma folha sem máculas nem vestígios de pensamentos quaisquer. Há de estar fechada das rotinas caminhantes dos dias e aberta às lucubrações que arrastam o coração para fora de si. Na lisura de sua face quero confessar meus pecados e os mais grudados segredos para que adormeçam indefinidamente na silenciosa brancura.
Quero a planura da folha muda, sem pensamentos pronunciados, sem compromisso firmado com algum desavisado para inscrições de devaneios. Que olhe suave, como ave prestes a pousar em minha mão. Folha que há de ser confidente, companheira nas infindas vigílias e delicioso remédio para os males acostumados de mim.
Depois da confissão, que a alma transpareça limpa, alva, leve, plena de iluminuras e canções. Há de voar pelos ares, em todos os lugares, revolvendo corações e, de mão em mão, espalhar amor, esperança, alegria e, de um jeito novo, conter, enfim, minha mais nova poesia.


Do livro: "Bazar dos Poetas"
Ileides Muller
Enviado por Ileides Muller em 01/01/2014
Reeditado em 01/01/2014
Código do texto: T4632579
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