O ônibus
Embora a minha vontade fosse a de dar um belo mergulho na piscina, minha avó já havia me avisado que precisávamos ir à cidade comprar comida. Afinal, era início de fevereiro - verão, um calor insurpotável na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro - e o mercado ficava muito longe. Além disso, minha mãe e meu avô estariam ali no dia seguinte, então...
Não nos demoramos muito a sair. Logo minha avó colocou seu vestido e sua saia comprida. Meu tio e eu colocamos regatas e shorts. Pegamos o necessário e saímos às pressas, já que o ônibus demorava à beça - aliás, sair às pressas, acredito eu, foi o nosso maior erro.
Saímos pela estrada de terra até a avenida que passava pela Lagoa de Araruama, que não era lá muito movimentada, nem nada.
A caminho, para nossa surpresa... lá se vai o primeiro ônibus.
- Eita! Puxa vida! - disse meu tio, com a mãos na cintura.
- Não tem mal! A gente espera o próximo! - disse minha avó.
Como eu havia dito, era verão. Do outro lado, perto da margem da lagoa, já não havia mais os velhos quiosques de outrora, ou seja, sem sombra! E as poucas árvores que tinham não provocavam sombras por conta de serem altas demais.
Então, decidimos ficar do lado em que estávamos. Meu tio vigiava a chegada do segundo ônibus. Enquanto isso, minha avó começou a reclamar do calor e a falar sobre a situação política do Brasil. Assunto esse que todos adoram conversar a respeito quando não se há mais nada para conversar.
Mais tarde, pela estrada de terra veio um boogie amarelo, com um casal conhecido do meu tio, que passou buzinando e cumprimentando. Logo, tomaram o rumo da avenida e prosseguiram viagem. Minha avó acenou, mas também virou-se e falou:
- Que amigos esses seus, hein! Nem pra oferecer uma carona!
Meu tio deixou pra lá. E o assunto continuou, com minha avó falando mal do presidente e do Estado do Rio, principalmente do transporte público que demorava demais. Com isso, para nossa surpresa... passou pela estrada, em direção à cidade, mais um ônibus.
Olhamos imediatamente um para a cara do outro, sem entender nada. Afinal, meu tio não estava vigiando?
- Puxa vida! Não vi que tava vindo! - disse coçando a cabeça.
Minha avó segurou a raiva como pôde.
Mais uma vez, esperamos e continuamos conversando. Obviamente o assunto era o mesmo! Aproveitei e repassei com a vovó - só para mudar o rumo da conversa - tudo o que precisávamos comprar para a chegada de meu avô e de minha mãe.
- Sua mãe vai querer presunto e queijo, tenho certeza... e seu avô gosta de parma, não é? Aliás, tem que comprar sabão em pó e refrigerante... - disse ela. E a lista ia e ia...
Quando já nem sentíamos mais calor, meu tio avisa:
- Aí, olha! Lá vem outro ônibus! Lá longe!
Preparamos tudo para embarcar. Ele conseguiu ver porque a avenida percorre a margem, então, era possível ver qualquer veículo vindo num raio de mais ou menos 5 quilômetros. Esperamos ansiosamente, quando de repente:
- Ah, meu Deus! Esqueci meus óculos! - gritou minha avó, injuriada. - Corre lá em casa e traz pra mim! Rápido!
- Mas eu não sei onde está, vó! - falei honestamente.
- Então, seu tio vai! Ele sabe onde eu deixo! Corre lá! Rápido! Essa droga vai embora sem a gente de novo!
E lá se foi meu tio correndo pela estrada até em casa. Não era nada longe, mas os buracos não ajudavam em nada. Enquanto isso, eu, esperançosamente, fiquei de tocaia.
- Três num dia só! Não é possível! - disse minha avó.
- E o pior é que tá vindo rápido!
Consegui ver meu tio entrando pelo portão e afastando os cachorros para poder entrar. Mas nossa, vi que já era tarde demais, o veículo estava cada vez mais e mais perto. Minha avó, coitada, escondeu o rosto na árvore de tanta vergonha. No entanto, pude perceber que ria de se acabar. "Como pode ser? Gente atrapalhada!" eu ouvi ela dizendo a si mesma.
Finalmente, passou-se o terceiro. Já quase havia perdido a vontade de ir à cidade, mas a vontade de rir - essa sim! - foi incessante e irremediável. O mesmo sofreu minha avó, chorando pela situação tão cômica.
Meu tio voltou com os óculos. E as risadas só aumentaram, enquanto esperávamos outro.