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Passos acelerados, ele se aproxima. Ouço seus movimentos e ruídos, e são os mais diferentes. Há um quê de alegria no ar, como se ele  trouxesse consigo a mágica da mudança. Não traz. Ainda que venha aberto às boas intenções, cortaram suas asas, amarraram seus pés, amordaçaram sua boca.

Ele não pode quase nada. É impotente diante dos quereres que o vêm saudar. Surge com ares de madrugada, ou em cores de horizonte. Muitas taças serão erguidas em seu nome. Será aclamado em nomes carinhosos. Bobagem. É só uma tentativa de o aliciarem. Coitado! Ele não pode fazer milagres, deveriam saber.

Algumas coisas ruins serão lembradas em fúnebre e póstuma homenagem ao seu antecessor. Catástrofes de todos os tipos: tsunamis, enchentes, vendavais, furacões. A devastação de casas, vidas e planos ficará marcada como nódoa indelével   nos números das estatísticas. Mas, por favor, não o crucifiquem, ele não teve culpa de nada.

O dourado do champanhe de quem celebra também não dissipará vestígios amargos. Amores que se foram, adeuses selados, vidas desfeitas. Quem desembrulhou a história e deixou-a nua a mercê dos dissabores? Não há quem possa ir às raízes dos estragos que ficaram. Mas alguém disse que a vida continua. E há de continuar.

Porém, o rosário das lamentações há de ser compensado pelos cheiros almiscarados, pelos toques açucarados que dissimularão o quê dos amargumes, dos negrumes, dos queixumes. Não fosse pelo circo e palhaços dançantes em cordas bambas, não haveria graça em quase nada. Mas há sempre um olhar à espreita pela fresta das esperanças e é nele que os entusiastas se equilibram. Porque fácil, fácil, não é, nunca foi.

Mas  que venha grande Senhor! Trajado de rei dos exércitos ou em vestes de arco-íris: o que vai distinguir uma coisa e outra é a sutileza de quem vê. E todos hão de ver, moldando ao seu jeito o que melhor combinar com o momento ou com as  expectativas. Vem com cara de surpresa, olhos argutos cumulando mais um lugar nos números:faz uma eternidade que inventaram de contá-lo, e desde então não pôde mais fugir.

Eu também não fujo dele. Apenas o espero como esperaria qualquer quarta ou sexta-feira, porque o branco do tempo é a cor que mais me agrada. Aprendi numa canção do Ney que não é o tempo que passa por mim, mas eu que passo por ele. Ouvi também que “hoje eu só quero que o dia termine bem”. Uma gota de cada vez, e já será o bastante.

Preparo meu figurino despida das ilusões de ontem. Portanto, mais leve. O peso fica nas dores do já não ser, no mais tudo é resto. Afinal a frase que mais consola é realmente a de que a vida continua. Faça planos, você que acredita; crie laços, você que acha compensador; tenha esperanças, você que aprendeu.

Mas não é bom pensar que “daqui pra frente tudo vai ser diferente”. Não vai. Ele chega de vestes gastas, barba por fazer, cabelo por pentear, embaraçado que vem pelas ventanias do caminho. Molde-o, faça dele o que quiser. Ele é soberano, em carruagem de cores, luzes e sons, mas não passa de um velho capenga, cansado de campear ilusões por esse mundão sem fim.

Um conselho: não espere demais. Ele será sempre o mesmo. E como charlatão bem treinado que é, há de lhe deixar pensando que vem cheio de vida nova. Não vem. Quer as provas? Continue sendo o mesmo de sempre e verá que o Ano Novo nada fará por você... Experimenta!