Aono-Domon, o túnel da esperança - 3ª parte
Enfim, depois de alguns dias vagando em fuga alucinada, ele chegou a um templo budista de nome "Jogandi", que significa o templo da auto-purificação. Mesmo confessando todo o seu passado, o monge do templo permitiu-lhe ficar e ofereceu alojamento. E quando Ichikuro mostrou vontade de submeter-se ao julgamento do código criminal, o monge lhe respondeu: "Essa solução é muito fácil, mas não é aconselhável, porque será a negação de toda a sua vida. A forma correta e ideal é unicamente a purificação, realizando o máximo de benefícios à humanidade".
Assim, Ichikuro entregou toda a sua vida ao disciplinamento severo da purificação que era próprio desse templo. Passaram-se os dias e noites, alguns anos nos quais Ichikuro treinava sem parar, absorvido totalmente na concentração, na purificação e na meditação, atravessando os vários portais do auto-disciplinamento rigoroso. Finalmente, ele ganhou um novo nome. Aquele Ichikuro morrera, passou a chamar-se Ryokai, que significa "homem transformado em água, ou água corrente".
Morreu Ichikuro, o grande criminoso, dando início à uma nova vida, a do monge Ryokai e ao começo da realização da sua capacidade disciplinada. O monge Ryokai peregrinou por vários lugares do Japão, mostrando a sua capacidade no auxílio às pessoas e na prática do benefício à humanidade, trabalhando e cuidando dos pobres e dos doentes. Apesar de tudo isso, ele nunca conseguia sentir uma satisfação profunda, que pudesse reparar realmente os seus crimes e toda a tristeza do seu passado inesquecível.
Certo dia, o monge Ryokai chegou ao vale do rio Yamakuni, em Kyushu, uma ilha muito grande. O outono estava chegando ao fim. Depois de almoçar na aldeia de Hida, seguiu viagem por uma forte ladeira, que acompanhava o trajeto do rio Yamakuni, que corria em forte correnteza, entre altas e escarpadas montanhas. Esse caminho estava localizado no sopé da montanha e era facilmente transitável até certo ponto. A partir daí, tornava-se tão íngreme e escarpado, que obrigou o povo daquela região a construir uma ponte, de uma parte à outra da montanha. Ao lado da ponte, havia um despenhadeiro profundo, onde podia-se vislumbrar um enorme redemoinho formado pelas águas furiosas do rio, que investia contra as rochas, em um espetáculo ao mesmo tempo aterrorizante e deslumbrante.
Quando Ryokai subia pela ladeira, encontrou uma multidão de camponeses em um grande tumulto. Entendeu logo que havia acontecido um acidente no despenhadeiro do rio Yamakuni. Haviam encontrado o cadáver de um homem, que aparentava ter sido muito forte quando vivo. Pela explicação de um velho, esse tipo de acidente sempre acontecia naquele lugar perigoso, com cerca de quinze vítimas todo ano.
O monge Ryokai reconheceu a existência do grande perigo naquele passo difícil no meio do despenhadeiro, que impedia um caminho livre e seguro para o povo daquela região. A solução que haviam encontrado foi a construção da ponte, que no entanto era comprida e instável, suspensa no meio do alcantil arriscado, especialmente perigosa nos dias chuvosos e ventosos. O monge Ryokai também passou por ela e viu a garganta diabólica formada pelo redemoinho das águas do rio debaixo da ponte, assim como o alcantil ameaçador como as garras de um diabo monstruoso. No momento em que finalizou a travessia, uma revelação divina brilhou na sua cabeça como um relâmpago. Foi como um choque elétrico. Com emoção profunda e imensurável, ele captou a mensagem divina no mais íntimo do seu ser.
Agora, finalmente ele encontrava a razão da sua vida que era a realização de uma obra inestimável e indispensável. No lugar daquela ponte, ele cavaria um túnel do mesmo comprimento, ligando uma extremidade à outra do despenhadeiro. Assim, ele salvaria todos os viajantes que passassem por aquele caminho perigoso.
Imediatamente começou a preparação da sua obra, pedindo a colaboração de todos da região. Porém, ninguém mostrou interesse em colaborar com o monge vagabundo, porque eles o julgavam maluco ou mentiroso. No meio daquela alta montanha, a construção de um túnel com 390 metros de comprimento e o transporte de 30 mil metros cúbicos de terra pedregosa, manualmente, era completamente fora do comum. Apesar do desinteresse do povo, ninguém mais conseguiu mudar a decisão obstinada do monge Ryokai. Ele adquiriu uma marreta e um escopro e começou sem hesitação o formidável trabalho, enfrentando o alcantil da alta montanha. Ao verem-no iniciar a obra, os camponeses falavam: "Esse monge mendigo enlouqueceu !"
Assim começou a formidável luta de Ryokai na sua realização interior e exterior, simultaneamente. Após meio ano de trabalho, o resultado foi miseravelmente pequeno, mas o som da sua marreta arremetendo contra a rocha continuava dia e noite, sem parar. Ele resolveu o seu problema de alimentação mendigando restos de comida na aldeia. Depois de um ano de dura labuta, Ryokai conseguiu escavar 11 metros do túnel que ele começara. Os aldeões sorriam diante desse insignificante resultado, zombando por mais dois ou três anos seguidos. Porém, o sentimento daquela gente em relação a Ryokai começou a mudar pouco a pouco, após quatro outonos na região montanhosa. Eles começaram a sentir um verdadeiro espanto pela sua extraordinária perseverança e uma simpatia para com aquele monge aflorou no coração do povo.
A concentração de Ryokai nos movimentos constantes das pancadas da marreta dentro daquela gruta escura foi purificando cada vez mais profundamente o seu espírito, fazendo-o esquecer todos os acontecimentos do seu passado. Seus cabelos despenteados, o seu bigode e a barba cresceram excessivamente até chegar aos ombros e ao peito. Mesmo assim, o povo daquele lugar mostrava um sentimento de pena e tristeza pelo esforço de Ryokai, dizendo: "Esse monge louco é um coitado, vai acabar a sua vida nesse trabalho completamente inútil e infrutífero".
O tempo ia correndo e mais alguns anos se passaram. Quando o trabalho de Ryokai chegou a 38 metros de profundidade, depois de nove anos, os habitantes da aldeia de Hida sentiram a possibilidade da realização daquela fabulosa obra. Imaginando o resultado do trabalho de todos reunidos comparado com o resultado do trabalho de nove anos do monge mendigo, os homens pensaram na possibilidade de um adiantamento na obra de Ryokai se reunissem os esforços das várias aldeias.
Desta forma, reuniram-se as pessoas das aldeias da zona do rio Yamakuni, para organizar rodízios de grupos de trabalho. Muita gente munida de ferramentas começou a labutar no túnel. Agora, dentro da gruta não havia mais solidão para Ryokai, porque ele estava recebendo uma grande colaboração de todos os povos da região, os mesmos que haviam zombado e duvidado da realização da obra. Escutava-se ao longe o eco animado das marretas contra a rocha dentro do túnel.
(continua)