Quando chega a hora

Eu devia entrevistar um pessoal da antiga, gente que há muito tempo se destacava na vida pública de Curitiba e que em algum momento da vida havia se tornado colaborador do maior jornal da cidade. Era precisamente sobre essa fase que eu deveria fazê-los recordar, arrancando deles algumas histórias engraçadas e, se possível, também algumas frases de efeito que mostrassem como haviam sido bons aqueles tempos e como estavam satisfeitos por ter participado da história do jornal.

Mas antes de tudo eu precisava saber quem eram exatamente essas pessoas. Comecei a pesquisar e elaborar uma lista de possíveis entrevistados. Entre os nomes que encabeçavam a lista estava o do ginecologista Moysés Paciornik, que ainda nos anos 50 havia começado a escrever crônicas para o jornal. Aos 94 anos, Paciornik continuava clinicando no centro de Curitiba. Era famoso por defender o parto de cócoras, método que observou com os índios caingangues – ou melhor, com as índias caingangues. Gostava de gravata borboleta e costumava se vestir de branco. E, segundo me disseram, era uma pessoa bastante divertida e eu iria gostar muito de entrevistá-lo.

No dia 23 de dezembro eu liguei para ele – não era a melhor época do ano para se encontrar pessoas, mas jornalistas funcionam em um calendário muito particular. Disquei então o número da sua clínica disposto a conversar com o bom velhinho. Na primeira tentativa, só ouvi chiados. Não consegui falar com ninguém. Passado um tempo, tornei a tentar e o resultado foi exatamente o mesmo. Como eu ainda tinha muitos nomes para ouvir, acabei deixando pra lá. Tentaria de novo depois do Natal. Ele podia esperar – o que são dois ou três dias para quem já viveu 94 anos, afinal?

Pois no dia 26 de dezembro eu leio, no mesmo jornal que deveria entrevistá-lo, a notícia de que o médico Moysés Paciornik havia morrido. Sofreu uma queda na casa dos familiares em Angra dos Reis, onde comemorava o Natal.

Em suma: não vai mais ter entrevista.