Dois chutinhos com o tênis

Comecinho da tarde e os supermercados ainda estavam abertos na véspera de Natal. Abasteci-me do suficiente para passar o feriado e caminhei até a saída. Encontrei lá fora uma tempestade tropical. Como de costume, eu havia esquecido meu guarda-chuva em casa. Resolvi sentar na escadinha de entrada e esperar diminuir. Outros infelizes faziam o mesmo. Se estivéssemos motorizados, é provável que arriscássemos um pulo até o carro. Mas éramos o pessoal que morava perto, e que por isso mesmo vinha a pé fazer compras. Conhecendo a invejável infra-estrutura de Brasília para lidar com a chuva, eu estava disposto a passar a própria noite de Natal naquela escadinha, se preciso fosse. Isso não mudaria a minha ceia, que continuaria sendo o sanduíche de frango com ricota que eu tinha dentro de uma sacola.

Foi quando vi ao meu lado um tiozinho com o carrinho de compras. Esse não estava a fim de se molhar até chegar ao carro. Mas não demorou e surgiu um funcionário do supermercado trazendo um guarda-chuva para ele. Pegou ainda o seu carrinho e falou “deixa que eu levo”. Só que fez uma curva tão brusca com ele que caiu de dentro uma garrafa de vinho. E foi rolando por baixo da caminhonete em que uma mulher dormia placidamente no banco do passageiro. O funcionário avisou que ia pegar outra garrafa, mas o tiozinho disse que não precisava. Botou as compras no carro e foi embora, sem o vinho.

Eu ainda pensava nesse episódio quando comecei a ouvir um insistente “Ô moço! Ô moço!”. Era comigo. Virei-me e encontrei na ponta da escada uma mulher que pedia: “Pode colaborar com a minha caixinha de Natal?”. Eu não podia, mas ela fazia o pedido a qualquer um que aparecia. A uma velhinha se ofereceu para segurar o guarda-chuva, mas também não conseguiu nada. Naquela altura a chuva já diminuía. Quando decidir ir embora, passei ao lado da garrafa de vinho, esquecida no meio do estacionamento. Dei dois chutinhos com o tênis. Estava brindado o meu Natal.