AS LUZES DE NATAL

Veja como são bonitos os palácios

E veja como são pobres os campos,

O quanto estão vazios os celeiros dos camponeses

Enquanto os bem-nascidos usam ornamentos

Ocultando armas afiadas.

E, quanto mais eles têm, mais eles tomam,

Como pode haver homens como esses,

Que nunca têm fome, nunca têm sede,

E ainda assim comem e bebem até estourarem!

Verso 53 do Tao Te Ching segundo Witter Bynner

Um homem, na noite de Natal, de tão bêbado que estava, vomitava até não mais ter o que vomitar. Contorcia-se como um porco no matadouro. As faces rosadas de tão gordas, refletiam-se nos enfeites de Natal, nas bolas coloridas, nas estrelas prateadas, douradas, reluzentes. Mesmo assim, depois de ter vomitado tudo o que tinha comido, depois de ter-se esvaziado e exaurido o estômago da comida azeda e gordurosa, voltava ofegante ao banquete, enchendo os olhos da gula, enquanto salivava diante da fartura servida na mesa e a boca cheia de dentes abria-se numa gargalhada insana, rindo do próprio vexame diante dos convivas. Na mesa farta, empanturravam-se homens como ele, senhores do garfo e do copo, no meio de perus fumegantes, garrafas de vinho, facas e garfos, numa roda de escarnecedores.

Ao redor da mesa corriam inocentes crianças com seus brinquedos novos. As mulheres, cativas, serviam aos homens gordos e também se empanzinavam metidas em seus vestidos magros, reluzentes, vestidos de festa, alugados a peso de ouro nas boutiques esnobes.

No canto da sala, esquecido e imóvel, um pinheiro impassível, na verdade um pedaço de árvore morta, simbolizava o desabrochar da morte de Ninrode para uma nova vida, todo coberto de bolas coloridas, quais cabeças decepadas dependuradas e luzinhas intermitentes, completando o quadro dedicado a Saturnália, o ritual de adoração a Ninrode, Tamuz e a Semírames, o sarau dedicado ao Deus-Sol, com o presépio em miniatura, que é nada mais do que um altar dedicado a Baal.

Do lado de fora da festa, uma família pobre, iluminada pelas luzes de Natal, ora azuis, ora vermelhas, ora amarelas, esperava e espreitava, quem sabe por um pouco da ceia para seus filhinhos descalços que corriam em volta da carroça dos catadores de lixo, com seus brinquedinhos de pobres. Vez por outra corriam para catar uma latinha de cerveja jogada no meio da rua pelos homens gordos. Aquilo sim é que era um presente!

As mulheres cativas metidas em seus vestidos de festa reluzentes e impecáveis iam e vinham, atarefadas e sorridentes, servindo aos maridos embriagados, glutões contadores de proezas, exímios falastrões e zombeteiros. Incomodadas com a presença da família de catadores de lixo que avidamente espreitavam pelas sobras do banquete, asseguravam-lhes severamente que no final lhes reservariam um pratinho para cada um deles e que não havia a necessidade de permanecerem ali, pois estavam importunando os convidados. A família pobre assentia quais cães famintos, recuando aos poucos para as sombras, de modo que ficassem invisíveis.

À meia-noite todos se abraçaram fraternalmente, desejando Feliz Natal, a Paz de Cristo, isso e aquilo, numa profusão de risos, beijos e brindes com as taças translúcidas e espumantes. Lá fora a família de pobres, oculta nas sombras da noite, era iluminada pelas luzes de Natal. Seus filhinhos já dormiam enrolados nos papelões e jornais velhos, alheios aos festejos natalinos e aos estampidos dos fogos de artifício intermináveis que ribombavam repetidas vezes, clareando o céu em desenhos magníficos, acordando os passarinhos.

Os pobres pais maravilhados com o espetáculo do nascimento do menino-deus estavam ainda ávidos de fome e esperançosos, aguardavam ainda as sobras do banquete, encolhidos na calçada, invisíveis, entre as caixas de papelão, escondendo-se por causa do cortante frio da noite, iluminados pelas luzes de natal.