O Ano Novo da pedra...
 

           Fomos avisados que, no dia 24 deste mês, a madrugada da terça feira que passou foi noite de Natal; e, agora, relembrados de que, na próxima terça feira, findará o Ano Velho e começará o Ano Novo. Velho? Não tanto assim, tem apenas doze meses, “nem mais nem menos”...  Essa tanto avisada passagem do ano que termina ao que inicia dá a entender que, até 31 de dezembro, se não fossem contados dias e horas, o Ano Novo não aconteceria; mas o homem sente necessidade de contabilizar sua existência, contar o tempo da sua vida, o que não faz a “pedra” do poeta Carlos Drummond.

           Desejar um ano novo não é desaprovar o passado que nunca deixará de ser parte da nossa estrada da vida, tampouco se assumirmos passivamente esse caminho como “destino individual”, no sentido da fatalidade sem meios de evitá-la, o que nos impediria caminhar com os próprios pés. Situações independentes ou contrárias à nossa vontade nunca deixarão de acontecer, sempre será assim a vida. Essa realidade tolheria nossa liberdade? Isso é relativo.  A liberdade de não se aceitar um fato, ao se evitar culpabilidade, melancolia ou angústia, parece comparável a se escutar inevitavelmente uma música e não ser possuído por ela, como em Lucas 7, 32: “Nós vos tocamos flauta, mas não dançastes! Nós entoamos lamentações, mas não chorastes!”, o que, repetidas vezes, sucedeu nos anos velhos e acontecerá no Ano Novo. Somente a pedra de Drummond não vivenciará tais situações, mesmo que esteja no meio do caminho...

          O que aconteceu, no ano passado, não depende mais da nossa vontade, mesmo tendo sido realidade voluntária ou inaceitável.  Pois realidades passadas jamais serão desfeitas, apenas poderemos transformar suas eventuais consequências; contudo, o passado nunca se repetirá no futuro, nem o ano velho no Ano Novo.  Isso se explica na imagem do filósofo Heráclito, ao estarmos no leito do rio corrente, jamais as mesmas águas banharão os nossos pés, mesmo se assim fosse nosso desejo...  É possível fazer do novo ano um ano feliz, como pensa Agostinho de Hipona, ao dizer ser o homem quem faz o tempo; não, o tempo, o homem; sem conformismo diante das nossas limitações, lutando além da sentença, até citada pelo jovem Marx, de Terêncio: “Homo sum, humanum nil alienum a me puto” ou “Sou humano, e nada de humano me é alheio”.  Assim não pensa a pedra...