Pois é pessoal, se me contassem eu também não acreditaria! Quem poderia imaginar que aquele personagem o qual passei minha infância acreditando se tratar de um louco, com a mania de ficar o dia inteiro sentado em frente a um pé de Jequitibá, era na verdade um sábio monge!

Já faz uns seis ou sete meses do dia em que subi o morro e conheci meu mais novo e inusitado amigo... Depois daquele dia, fui embora para a cidade na qual moro nos dias atuais e me despedi de minha cidadezinha natal, sem contar a ninguém sobre minha histórica descoberta! Na verdade, fiquei remoendo as lições do velho monge e cheguei a conclusão de que, se durante cinquenta anos, ninguém havia se interessado em descobrir o que motivava aquele estranho homem subir todos os dias o morro e ficar o dia todo sentando, olhando para um pé de Jequitibá, era por que eles mesmos não tinham o menor interesse sobre o assunto e se eu começasse a divulgar minha descoberta, na certa eu me tornaria o mais novo louco da cidade! Por outro lado e com maior importância, sem querer eu poderia atrapalhar outra pessoa que resolvesse romper com seu comodismo e subir o morro em busca de respostas à "grande questão"!

Bom, não posso dizer que o ensinamento do velho monge mexeu profundamene comigo, mas me fez enxergar muitas coisas de um modo diferente. Sou arquiteto de profissão. Não digo que sou bem sucedido, mas consegui conquistar muitas coisas que desejava. Porém, lá no fundo de minha alma, nunca fui muito satisfeito com as coisas que faço, pois, na minha profissão, sigo padrões pré estipulados ou que estão "na moda". Nunca tentei projetar algo que fosse totalmente meu, justamente por medo do fracasso. 

É bem verdade que após o encontro com o monge, as palavras dele ficaram martelando em meu cérebro: "...Você teve coragem e subiu o morro! Buscou respostas ao seu questionamento...", "...Aquele que tenta, mesmo que leve a vida inteira e não consiga, só pelo fato de ao menos tentar, ele já terá encontrado a sabedoria...". Enfim, cheguei a conclusão que o medo impede que homens pequenos façam grandes coisas, justamente pelo fato de não tentarem! Depois disso, arragacei as mangas,  peguei caneta e papel e comecei a produzir coisas diferentes; tentei, do meu modo, fazer uma arquitetura diferente!...

Enquanto eu ia me redescobrindo e tentava mudar a história da arquitetura mundial, eis que me ocorre um certo problema: Eu tenho um amigo, o qual estimo muito, mas que passou a ter um gravíssmo problema: começou a usar drogas! Já por algumas vezes senti vontade de conversar com ele sobre isso, mas já vi sua reação, com outras pessoas, quando falam com ele sobre tal situação. Estimo muito esse meu amigo e não gostaria de vê-lo chateado comigo. Mas ao mesmo tempo, não gostaria que seu vício um dia o levasse à invalidez permanente ou morte. Ele é casado e pai de família, assim como eu, mas temo que o vício o fará perder tudo...

Essa situação mexeu bastante comigo e até os meus projetos os quais eu estava tão empolgado por realizar, estão todos parados por falta de inspiração! Minha esposa, me vendo triste constantemente, certo dia resolveu me perguntar o que estava havendo. Contei tudo para ela, que estava vendo um "irmão" se afundando nas drogas.

Após ficar pensativa por uns instantes, ela serenamente me disse:
- Por que você não vai até sua cidade natal e conversa com aquele monge do qual você me contou? Após seu encontro com este homem, sua vida mudou muito; talvez ele possa te aconselhar sobre esta questão.

Naquele instante achei a ideia desprovida de qualquer fundamento, pois, será que aquele velhinho saberia alguma coisa sobre drogas, uma vez que ele passou a vida inteira sentado, observando um pé de jequitibá? Será que ao menos ele sabe o que é loló?... 

Passadas mais algumas semanas, cada vez mais me sentia abatido pela situação deste meu amigo e por fim, resolvi seguir o conselho de minha esposa e ir até minha cidade natal, na tentativa de rever meu sábio amigo. Se de tudo ele não puder me ajudar, ao menos a viagem me ajudará arejar os pensamentos!

Com a bagagem pronta, parti em direção ao meu objetivo. Chegando na cidade, não há como eu não parar para dar um oi daqui, um como vai dali, um "quanto tempo" moço acolá, enfim, é bom rever velhos conhecidos, porém, minha intenção maior era rever o sábio monge.

Após me hospedar na velha pousada do Chico, parto em direção ao morro do Jequitibá, esperançoso em encontrar o velho sábio. Antes de começar a subir, olhei para cima e para minha surpresa, o velho monge não estava lá, no seu lugar de costume. Fiquei intrigado... Será que o pobre velho partiu desta pra melhor? Será que enfim ele alcançou a Iluminação e foi arrebatado? Não sei; de qualquer forma, já que estou aqui mesmo, vamos lá ver se achamos alguma resposta para  mais esse mistério!

Fui subindo, subindo e eis que já vejo o pé de Jequitibá. Mas em lugar nenhum vejo meu esquisito amigo. Comecei a me convencer que ele bateu as botas mesmo! Mas será?

Chego até o pé de jequitibá, olho à volta e nada vejo... Poxa, será que vim buscar uma luz para um amigo e vou voltar duplamente triste, pela partida do outro?

Cansado de tanto olhar ao redor, me sento aonde o velho monge se sentava para olhar o Jequitibá. Olhei a imensidão do mesmo e baixinho perguntei: Onde estará nosso amigo? De súbito, escutei um espirro. Me levantei, olhei para um lado e para outro e nada vi. Outra vez um espirro... Agora olho um pouco pra baixo, na outra parte do morro e eis o que vejo: Lá está o homem!! 

Mas que estranho, pensei comigo, agora está sentando em outro lugar, olhando uma roseira. Será que ele voltou para o mosteiro e recebeu outra tarefa? Não entendi!

Fui até lá e me aproximei para conversar com o mesmo:
-  Como vai meu amigo? lembra-se de mim ainda? quanto tempo!

O monge respondeu:
- O tempo e a memória são duas crianças que vivem brincando conosco! Um nos faz correr e o outro nos faz parar. Nós somos brinquedos em suas mãos!

Claro que não entendi nada, mas me fiz de desentendido e contornei o assunto:
- Meu caro amigo e seus ensinamentos!

Ele Respondeu:
- Eu não ensino nada. Somente o tempo e a memória é que ensinam!

Como eu não estava entendendo bulufas sobre esta história de tempo e memória, resolvi fazer outra pergunta que estava entalada em minha garganta:
- Me perdoe mais essa indiscrição sábio monge, mas preciso lhe perguntar: Após tantos anos, eis que é a primeira vez que não lhe vejo em frente ao jequitibá e é a primeira vez que o vejo sentado em frente a esta roseira. Qual seria o motivo?

O velho monge girou vagarosamente a cabeça e serenamente me respondeu:
- Aquele que encontra a resposta a uma questão, volta a questionar sobre a mesma coisa novamente?

Sem entender bem a pergunta, lhe respondi:
- Me parece que se alguém encontrou a resposta para uma pergunta, não tem cabimento perguntar a mesma coisa novamente.

Então o monge me fez outra pergunta:
- Desta forma, você subiria o morro em busca de resposta para mesma pergunta, ou para uma pergunta diferente?

Respondi:
- Creio que subiria o morro em busca de resposta para outra pergunta.

O monge então disse:
- Isso mesmo, os sábios agem assim! Os homens as vezes perdem tempo demais com questões das quais já sabem a resposta e ficam dando voltas em círculos. Por exemplo: Todos sabem que  a poluição e a degradação da natureza podem culminar com a extinção dos seres humanos. Mas e aí? todos ficam correndo atrás de soluções para os problemas, mas a questão é que todos nós sabemos o que fazer! O problema é que todos "continuam insistindo no questionamento". Sabe porque? Por que as vezes a resposta nos incomoda e vai de encontro às nossas vontades pessoais. Então é mais fácil perpetuar a pergunta do que apresentar a resposta! 

Neste instante começou a fazer um pouco de sentido os questionamentos do monge, mas não me contive mais uma vez e perguntei:
- Caro amigo, não me leve a mal, mas vi uma contradição entre sua fala e sua vivência. Olha só, você disse que se alguém souber a resposta, é incoerente insistir na pergunta. Pois bem, você tinha a missão de observar um pé de Jequitibá até a morte do mesmo e você viveu cinquenta anos de sua vida observando um pé de Jequitibá, com o intuito de cumprir essa missão. Porém, você mesmo me disse outrora que sabia ser impossível observar um pé de jequitibá até sua morte, uma vez que ele vive muito mais que um ser humano pode viver. Então, porque você insistiu numa pergunta a qual você já sabia a resposta.

O monge, com um leve sorriso no rosto, respondeu:
- Você tem o dom para a sabedoria! Pois bem, lhe faço a seguinte pergunta: De que vale um conhecimento se ele ficar guardado contigo e nunca for revelado?

Repondi:
- Creio que não há valor algum!

O monge fez outra pergunta:
- Quantos pessoas, além de você, subiram o morro para questionar minha britânica rotina?

Respondi:
- Acredito que ninguém!

O monge continuou:
- Isso mesmo! Aquele que quer a resposta deve "subir" o morro, mas aquele que já a encontrou, deve de uma forma ou outra permitir que esse conhecimento brote em cada pessoa, não de forma imposta, mas levendo-o a conhecer, ou melhor, fazendo com que ele por si mesmo encontre a verdadeira resposta.

Meio tonto, eu disse:
- Poxa caro monge, ao mesmo tempo em que acho que tudo o que você me disse faz sentido, também me sinto confuso. Vou precisar de muito tempo para assimilar tudo isso. Mas uma coisa ainda me intriga monge, sei que você respondeu, mas não entendi bem o porquê de você estar agora a contemplar uma roseira?

Ele com um leve sorriso no rosto, me perguntou:
- O que viestes fazer aqui?

Respondi a ele: 
- Bem, na verdade, confesso que minha vinda até aqui não foi somente para lhe fazer uma visita, mas para buscar orientação sobre um assunto delicado. Tenho um amigo muito estimado que de uns tempos para cá está trilhando um caminho do qual pode não haver volta quando ele acordar. Tenho vontade de conversar com ele sobre o assunto, mas conheço o gênio dele, sei que isso podrá significar o fim de nossa amizade.

O monge respondeu: 
- Percebes agora porquê observo a roseira? A questão de hoje é diferente da do pé de jequitibá!!

Outra vez meio tonto, perguntei:
- Deu até para enteder a questão do jequitibá e da roseira, mas não estou entendendo onde você deseja chegar?

O monge pegou um embrulho que estava próximo a ele e me disse:
- Está vendo esta tesoura de jardineiro?

Respondi:
- sim.

Ele me disse:
- Pegue-a e comece a podar esta roseira, tirando estes galhos secos.

Eu respondi:
- Caro amigo, é melhor eu buscar uma luva de jardineiro, pois, lidar com a roseira é difícil por causa de seus espinhos.

Ele disse energicamente:
- Pegue essa tesoura e faça o que eu disse, agora!

Fiquei cabreiro com esta repentina ordem do velho monge, mas resolvi não questionar. Peguei a tesoura e entre uma estrepada e outra, fiz o que ele me pediu. Então lhe disse:
- Pronto, fiz o que você me pediu. Me arranhei bem, mas está pronto.

O monge com uma fisionomia agora mais calma e satisfeito, me disse:
- Encontraste a resposta para seu problema!

Eu perguntei:
- Encontrei?

Então, ele revelou:
- Mais uma vez você subiu o morro atrás de uma resposta, só que dessa vez você já a conhecia.

Espantado, perguntei:
- Já conhecia a resposta?

Ele continuou:
- Sim, você conhecia. Você busca a resposta de como lidar com seu amigo. Ora, na verdade você sabe o que fazer, sabe que tem que ser sincero com ele e lhe dizer a verdade. Mas o gênio dele lhe faz sentir medo de ferí-lo e ferir a si mesmo. A amizade de vocês é tão bonita quanto esta roseira. Porém, alguns galhos secos precisam serem podados, principalmente para o bem dele e para a manutenção da amizade de vocês também. Mas, assim como na roseira, você tem medo de "podar" esses galhos por causa dos espinhos, medo de que esses espinhos o machuque. Mas não tem outro jeito, para que a roseira continue viçosa, é preciso podá-la. Mas essa poda é dolorosa para ambos, pois, a roseira tem os espinhos justamente para se defender da dor que o jardineiro irá lhe proporcionar ao podar seus galhos secos. Mas o jardineiro sabe que para ela continuar viçosa é preciso podar os galhos secos e sabe que isto causará icomôdo ("dor") à roseira, bem como causará muitos arranhões no jardineiro também. Mas após esse doloroso atrito, vem os benefícios. Os galhos secos enfraqueciam a roseira e impediam que a mesma florescesse, mostrando todo seu vigor. E para mostrar sua gratidão ao jardineiro, ela floresce os mais bonitos e perfumados botões de rosa, deixando assim o jardineiro satisfeito com seu trabalho! Lembra que eu falei anteriormente sobre as pessoas que já sabem a resposta para a sua pergunta, mas preferem ficar perguntando, justamente por que as respostas vão de encontro às suas vontades? Então, você veio buscar uma resposta aqui, a qual você já sabia. Digamos: "perdeu seu tempo". Mas agora que você tem consciência disso, cabe somente a você não deixar sua sabedoria escondida, consigo mesmo. Use-a para iluminar os outros!

Mais uma vez estupefado, respondi:
- Meu amigo, tens razão: Realmente busquei a resposta para algo que já sei a resposta. Aquela criancinha sapeca, o tempo, deve estar rindo de mim agora por me fazer correr para o lado errado e na verdade, perdi foi "tempo". Preciso partir caro monge... Meus projetos estão parados à minha espera e meu amigo precisa ser "podado"! Mais uma vez obrigado por seus ensinamentos! Ou melhor, agradeça o tempo e a memória por mim! Ah, mais uma coisa: ainda te vejo por aqui, neste morro?

Ele respondeu:
- Sempre haverá morros para subir, meu amigo, pois, as questões são infinitas! Mas cabe somente a criancinha levada do tempo decidir a hora que sairemos deste jogo!











 
Patrick Vargas Amaral
Enviado por Patrick Vargas Amaral em 23/12/2013
Reeditado em 24/12/2013
Código do texto: T4623365
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