Um bom consumidor

Não sei como chama aquilo – pode ser baú, ou mais provavelmente urna. Mas não qualquer urna, porque é um negócio enorme. Pelo menos não está no meio do caminho. Eu mesmo nem teria visto se não percebesse a multidão que afluía até lá. Pessoas que caminhavam normalmente e de repente se desviavam naquela direção. Resolvi segui-los para ver do que se tratava. Bolas, não havia grande mistério: elas estavam apenas depositando os seus cupons para participar de uma promoção de Natal. Só então me dei conta que ali, ao redor da urna, também estavam estacionados dois carros novinhos em folha. Diante deles um cartaz falando sobre um apartamento com dois quartos. Eram os presentes que o shopping oferecia para quem havia sido um bom consumidor durante o mês de dezembro. E aparentemente não havia do que reclamar, porque, a julgar pela quantidade de cupons, todos haviam se comportado muito bem e eram dignos de premiações como aquela.

De fato, a urna estava cheia até a boca. Tão cheia que as pessoas que ali chegavam com seus cupons tinham muita dificuldade em depositá-los. Era preciso dobrá-los e empurrá-los com força, do contrário não caberiam dentro da urna. Alguns chegavam a ponto de sacudi-la para que os cupons do topo pudessem descer um pouco mais e assim abrir espaço. O essencial era colocá-los dentro e fazer parte do sorteio – dar uma chance à sorte.

Chamou-me a atenção um homem em especial que carregava consigo um bom punhado de cupons, e começou a reparti-los, com dificuldade, entre as duas bocas da urna. Comecei a contar os seus cupons. Um, dois, três... doze! O homem depositou doze cupons na urna – e cada um deles corresponde a R$ 350 consumidos no shopping. Mas a maioria vinha e colocava um único cupom, na esperança de que consiga vencer sozinho milhares de outros.

Acho compreensível toda essa participação: porque não é todo dia que o sistema que nos explora resolve nos presentear com aquilo que nos impede de conseguir naturalmente.