Mudo dos dedos
Desde que inventaram o Whatsapp eu caminho pelas ruas transformado em zumbi, totalmente absorto na tela do celular. Porque eu recebo uma mensagem e, ansioso como sou, quero respondê-la imediatamente. Mas isto gera uma tréplica que também precisa ser respondida e, quando vejo, já estou não vendo mais nada ao meu redor. Às vezes imagino a diversão de quem me observa nesse estado, andando de cabeça abaixada, rindo animadamente de uma mensagem que recebi, ou não, de expressão fechada, contrariado por alguma coisa que li e não gostei. E espremendo meus dedos para digitar num pequeno teclado.
Teclado, aliás, que ultimamente deu para não funcionar. Provavelmente é resultado da chuva que tomamos juntos dia desses. Percebi que algo estava errado quando recebi a mensagem de uma amiga que me oferecia dois livros. Ávido por dizer que sim, sim, claro, eu queria os livros para mim, comecei a digitar a minha resposta e percebi que nenhuma letra estava saindo na tela. Tentei apertar com mais força, tentei apertar várias teclas ao mesmo tempo, desliguei, liguei de novo e nada. Dali a pouco eu recebi a mensagem angustiada da minha amiga: “Você está aí???”. Eu sabia que ela estava me vendo on line, então a essa altura ela achava que eu a estava ignorando descaradamente.
E a coisa piorou: não demorou muito e chegou a mensagem de outra amiga querendo saber se havia chegado a surpresa de Natal que me enviou. Havia chegado e eu estava mesmo a ponto de escrever para ela agradecendo, mas não considerei a possibilidade do meu teclado entrar em pane. Para ela meu silêncio só podia significar uma coisa: eu não havia gostado da surpresa. Durante o dia chegou ainda a mensagem de um amigo poeta, que depois de muito tempo se rendera aos smartphones e pela primeira vez usava o Whatsapp. Certamente esperava a minha acolhida, uma mensagem de boas vindas. Pois não a teve. Passei por grosseiro e mal-educado até que todos descobrissem que eu estava apenas mudo dos dedos.