Um rápido encontro ou o reacender da chama?
Um rápido encontro ou um reacender da chama?
Não raro na vida se vive aqueles momentos em que tudo passa pela cabeça: devaneios, impossibilidades, até, por vezes, cogita-se a loucura, quando o que aconteceu foi simplesmente verdade. Acho como os outros que o que me aconteceu não foi verdade, mas não sou cético por isso, só não me acho especial demais para isso, mas eis que aconteceu. Não devo ser o único que muitas vezes antes de dormir vai rezar e adormece, antes do “Amém” final, Deus deve entender que não é desleixo, e sim cansaço, que tentamos bravamente vencer, mas somos abatidos.
E lá estava eu, numa dessas horas que você não aguenta mais ficar de olhos abertos, que as pálpebras pesam mais que os pecados do mundo, e quando o que resta é rezar para amanhã ser melhor, e foi nesse momento de solidão, de encontro ágape, estávamos só eu e Deus, eu com minha fé, e Ele a escutar(?), mas comecei a rezar como sempre fiz, pedi que cuidasse de meus pais, minha irmã, meu cachorro, todos aqueles que um dia rezaram também por mim, aliás, acho que rezar é se importar, com Deus e para quem se reza. Tenho, por vezes, pena dos ateus, não sei como vivem seu mundo sem mitos, sem esperança, sua vida tão blasée que não machuca, seus sonhos tão pequenos que nenhuma escada ousa amparar.
Em meio a nossa conversa unidirecional, caí algumas vezes a dormir, ou ao menos cochilar, perdi o senso do mundo, adormeci o cérebro, descansei as verdades... E ainda travando uma luta contra o sono, tentava incessantemente terminar de rezar, afinal de contas estava agora pedindo a Deus, e tinha muito para pedir, coisas não só para mim, mas para os que amo, por isso demoraria ainda um pouco. Vencido pelo cansaço dormi, acho que não mais que 5 minutos de um sono pesado, mas logo fui abatido por uma imagem que não mais firme que um sonho desses que não são relembrados no outro dia, me apareceu.
Acompanhada de um fundo branco iluminado, a imagem vinha só com um rosto, talvez quisesse revelar algum mistério, ou talvez eu só fosse digno daquilo, mas aquele rosto era novo pra mim, percebia com meu detalhismo pífio sua orientalidade, pelos olhos puxados, talvez fosse porque eles não aguentassem mais os grandes egos da Terra, e fossem sobrepujados pelo egoísmo apolíneo de alguns mortais, ou talvez fosse mesmo o frio nevoado, daqueles que nunca souberam arder de paixão, não sei, mas era asiático, o rosto que conheci.
Os detalhes não podem ser cobrados de mim, estava lutando contra o sono, numa luta quase perdida, e os relatos que tenho saem como sinal de encantamento e fé, por isso hei de continuar a ilustrar. Seus lábios eram finos, e durante todo nosso contato de não mais de 5 segundos permaneceu cerrado, irrequieto, apenas arqueamentos que significariam um leve sorriso... Seus olhos não pude perceber, as frestas pequenas que ficaram abertas em meio as luzes de fundo não faziam imagem, por isso apenas cri. Seus cabelos eram longos, pretos como um céu de verão, e cintilante como estrelas, havia pontos que me faziam relembrar Clarice, e as várias Macabéas que ainda poderiam brilhar num céu escuro em que se reflete nossa Terra de morangos...
Com poucos detalhes, pude notar uma característica superior a todas aquelas observadas, Ele era mulher, sim, o jeito que me olhava com carinho, o calor que me passava com o sorriso, a mão que não vi mas podia sentir, era definitivamente uma mulher, fazendo a fé de muitos machistas cair por água abaixo, afinal, quem mais seria a Gaia, a deusa-mãe? Sim, os gregos sempre souberam de tudo, mas achavam que tudo aquilo que vinha da Mãe, era deus também, por isso, salve os Narcisos pavões, os Bacos urubus e as Atenas humanos.
Antes de terminar nosso encontro aquela mulher não falara nada, mas me transmitira uma mensagem que me senti obrigado a passar, fui pego quando em meio a minhas orações matutava sobre a morte, esse fim de estrada, esse deixar saudade, esse voltar ao pó, todos nós temos que lidar com isso, é nosso, é natural, é necessário, mas, ao mesmo tempo, inaceitável, doloroso e inexorável...E quando caía em mais contrastes ela me disse, mantendo o sorriso, que de algum jeito eu aguentasse, era como se ela viesse me confortar, pela primeira vez tivera medo, mas ela novamente me consolou, parece que vamos mesmo a um lugar melhor.
Por fim, logo depois que a visão me perdera os olhos tentei recriar sua imagem e percebi que a pureza daquele que tem fé é tanta que não reparei em sua roupa, e tive que tocar em minha perna e sentir o tecido para perceber que não estava nu, pois assim me sentia, limpo, nu, pronto, amado, correspondido. Sim, chorei, não como quem perde, mas como quem sente o poder. Caiu a lágrima daquele que um dia achou que viu Deus...
Gabriel Amorim 23/11/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/