Papai Noel está só

É uma chuva indecisa, daquelas que dificilmente acontecem em Brasília, e por isso ninguém tem certeza se é preciso usar o guarda-chuva ou não. Decido enfrentá-la desprotegido, embora venha de uma gripe, tão rara quanto tem sido o sol neste mês de dezembro. Intimamente, torço por um Natal nublado, mais afeito ao meu temperamento.

Paro na faixa de pedestres impacientes aguardando uma brecha no trânsito para atravessar a rua independente do sinal. Enquanto espero sou assediado por panfleteiros que já me conhecem e sabem que eu aceito qualquer papel que me entreguem na rua. Uma autoescola com promoção de fim de ano. Um coral com apresentações no shopping na hora do almoço. Uma relojoaria sugerindo seus produtos como presentes. A visão de todos aqueles modelos de relógio me lembra de conferir o celular para ver as horas: 9h06.

Atravesso a rua e decido cortar caminho por dentro de um shopping, que àquela altura da manhã já está aberto, funcionando no horário especial para esta época. Mas percebo que ainda está praticamente vazio. Muitas das lojas ainda nem abriram, enquanto que em outras os atendentes estão parados à espera do primeiro cliente. Na praça central do shopping, toda decorada e com uma árvore que sobe até o segundo andar, reconheço Papai Noel. Está sentado em frente da sua própria casa e tamborila calmamente os braços da cadeira. Espera a qualquer momento o surgimento de uma criança a quem deve acenar. Mas não aparece criança alguma. Há apenas adultos sérios e compenetrados que atravessam o shopping. Também não há duende, rena ou qualquer outro tipo de ajudante por perto: Papai Noel está só. Penso em dar a ele um cumprimento de cabeça, mas não adianta: eu não acredito que ele exista.

Encontro uma farmácia deserta, tão diferente da hora do almoço, e decido entrar. Não tenho nada de especial para comprar, mas é preciso aproveitar que não há filas no caixa. Pego uma caixa com três pastas de dente. E não, eu não quero CPF na nota.