Gabriel
Gabriel.
Não esqueci aquele menino.
Matriculado na escola no meio do ano.
Desconhecido para todos.
Igual a mim, parece que enviada por Deus, fui lecionar naquela escola.
Justamente na sala problemática, todos tinham uma dificuldade.
Mas Gabriel chamou-me a atenção.
Não se enturmava, retraído, não fazia nada.
Apanhava e sentava no chão, chorava.
Eu ia lá e o abraçava, levava-o para o seu lugar.
Sentava-se só, no fundo da sala.
Nada fazia, não copiava, não lia.
Chamei a mãe dele para uma conversa.
O bilhete a ela ele entregara (muitos não entregavam).
Ao que ela veio no dia seguinte.
Explicou que ele tinha dois irmãos diagnosticados com TDAH.
Mas nele não fora detectado problema aparente.
Ela ouviu-me e prometeu observá-lo mais.
Educada, agradeceu e lá se foi, tratando seu filho com carinho.
Gabriel não tinha hiperatividade, era desatento e parecia um pouco autista.
Eu não sendo especialista no assunto, também fui observando-o.
Chamava-o para sair comigo da sala e buscar algo na secretaria ou na biblioteca. Ele gostava muito de livros.
Trouxe-o para sentar-se na primeira carteira, perto de mim.
Buscar sozinho, folhas, livros, água para mim. Ele gostava, sorria.
Lavar o rosto quando estava cansado, ansioso, com calor.
Um dia, durante a aula, ele mostrou-me seu caderno de desenhos.
Incríveis!
Sabia desenhar muito bem!
Elogiava-o sempre e chamava sua atenção quando precisava, com muito cuidado, porque ele facilmente se magoava.
E Gabriel foi-se afeiçoando a mim e eu a ele.
Começou a escrever durante as aulas.
E um belo dia em que saíamos para o recreio, pedi a ele que lesse uma frase no mural do pátio. Ele leu! Sorrimos juntos e abraçamo-nos. Eu emocionada senti meus olhos ficarem úmidos.
Falei para ele ir brincar, porque senão ficaria atrás de mim.
Todos os dias em que eu chegava, era recebida por ele com um gostoso abraço! Ele ia entrando na sala dos professores sem ser convidado, contando as novidades e as suas histórias, eu não o repreendia.
Queria levar minhas coisas, minha bolsa, sempre abraçado a mim.
E progredia na sala.
As vezes ouvia críticas sobre "ele não se enturmar e brincar sempre sozinho". Falava com a pedagoga e ficava do jeito que estava mesmo, afinal ele não tinha laudo algum.
Gabriel lendo e escrevendo continuava e os dias foram passando.
As vezes dava um acesso de raiva nele devido as provocações dos colegas (escola pública). Eu me aproximava, abraçava, conversava com ele e tudo se ajeitava.
Até que Gabriel, vencendo a timidez deu-me um beijo no rosto, ao que eu retribuí.
E foi assim até terminar o ano letivo.
Gabriel, com ninguém brincava.
Andava em volta da quadra, enquanto seus colegas, bola jogavam.
Brincava com bambolês e cordas, sempre sozinho.
Menino obediente!
Fiquei feliz com o progresso dele.
Chateava-me ao ver alguém (adulto) implicando com ele, mas me calava, (gente da escola). Colegas dele, eu não deixava.
Quanta felicidade ao ver os acertos nas provas e ditados dele.
Foi aprovado Gabriel, para o 5º ano.
Ainda poderei ver Gabriel, no horário da manhã.
Uma coisa não contei a ele, talvez não seja mais sua professora.
Já sinto saudades, o abraço gostoso, o sorriso, a troca de merenda.
Ele é feliz, do jeito dele, no mundo dele.
Aprendi com ele, nenhum método é melhor do que o amor e o carinho.