O PERSONAGEM-MENINO

O transcurso é o mesmo – contínuo e inexorável. Nós é que temos o forte desejo de que os dias não sejam iguais, porém é só por fora, por isso criamos nomes diferentes para destacar o cotidiano. Todavia este, repito, é sempre igual em nossas convenções: anos, dias, horas, minutos, segundos. Só varia o local do universo topográfico do viver. E engalanamos os cotidianos para dizer que a vida não é rotineira. Esta rotina é o novelo dos dias, que se desenrola enquanto estamos vivos. Depois, nada sabemos do que virá, pois ninguém voltou para dizer como é o transcurso para a outra margem... E nos consolamos com o perpassar, nos embustes a que damos diversificados nomes, através de eventos vários. O Natal é um deles e até metemos Jesus, o Cristo redivivo, como personagem-menino. Ave, ó Maria de todos os dias! Santo, santo é o senhor dos mundos... E dormitamos na mesma manjedoura da estrebaria natalina, para podermos conviver entre a escrita bíblica e a possível farsa incontrolável do Senhor Tempo, que é a única convenção realmente vivificada entre os albores e o crepúsculo...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2013.

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