Amor de rua
Quem conhece a Rodoviária do Plano Piloto em Brasília não se assusta mais com o Terminal Guadalupe em Curitiba. Está devidamente acostumado com os mendigos, os bêbados, as prostitutas, os usuários, as brigas, os ratos, o lixo. E os vendedores ambulantes, que oferecem celulares, laranjas, calcinhas, flores, jogos pra Play 2, bijuterias, agulhas (27 agulhas custam 1 real). Então era com ares de pessoa experimentada que eu me apoiava em uma pilastra enquanto aguardava o ônibus na capital do Paraná.
De onde eu estava não podia enxergar muita coisa da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, logo ao lado do Terminal. Mas intuía que na rampa de acesso estivesse dormindo algum mendigo, como é de praxe. O pessoal da Paróquia não gosta muito deles. É que não causam uma boa impressão para as caravanas que vão até lá especialmente para ver o padre Reginaldo Manzotti (e eventualmente comprar um Manzotinho na porta do templo). Tenho para mim que o melhor meio de tirá-los da rampa seria convidá-los para entrar na igreja. Mas isso traria muito mau cheiro e sujeira, e o reino, como se sabe, é dos limpos. Ainda é uma excentricidade quando o Papa Francisco resolve convidar mendigos para o seu aniversário.
Eu pensava essas coisas e nem vi quando uma mulher, evidentemente moradora de rua, começou a andar para lá e para cá ao meu redor. Devia ter pouco mais de 20 anos. Não era das mais bonitas, pois se fosse já não estaria mais nas ruas. Estava descalça e tinha os pés sujos. Comecei a achar que estava me observando. Caminhava uns passos, depois voltava, passava à minha frente e às vezes seguia por trás da pilastra – ocasião em que eu lentamente me virava a fim de não ser surpreendido por Deus sabe o quê. Até que estacou diante de mim. Tentei fazer de conta que não era comigo, mas ela veio para cima de mim, com os braços abertos para me abraçar e com a boca aberta para me beijar – de língua. Minha sensibilidade social não chega a tanto: me esquivei e dei o fora.