Donzela

Num destes dias em que nada dá certo, e que parece que o dia ficou curto de repente, resolvi que não iria almoçar em casa, como era de costume, faria uma refeição rápida em um restaurante próximo ao escritório para tentar recuperar um pouco deste tempo perdido. Como o restaurante ficava apenas quatro quadras do escritório resolvi ir caminhando para espairecer um pouco, visto que a manhã tinha sido muito desgastante.

Já quase na metade do caminho percebi que haviam três pessoas em frente a uma casa, uma mulher aparentando quarenta e poucos anos e dois homens, um na faixa dos trinta e outro mais jovem, com certeza ainda não tinha completado dezoito, pelas vestimentas pude concluir que tratavam-se de pintores e que estavam discutindo com aquela mulher algo relacionado a fachada de uma casa, pois a todo momento apontavam e falavam algo. Quando aproximei-me mais dos três escutei o homem mais velho falar, já com uma certa dose de irritação na voz, “Mas a Senhora tem que entender que ...”, foi então que antes mesmo que ele pudesse concluir a frase a mulher enraivecida interrompeu, “Senhora não Senhorita” e concluiu, “Sou donzela”. Por um instante a cena ficou congelada, até fosse interrompida por um pedido de desculpas, meio sem graça, do homem.

Segui meu caminho levando o semblante daquela mulher, um misto de revolta, raiva e carência, como se todos os problemas de uma vida estivessem estampados na fachada daquela casa, como se o fato de não ter um companheiro e aquela vida sonhada se transferisse naquele momento para figura daquele homem, que não compreendia a importância de pintar aquela fachada da forma que ela queria, e quem sabe apagar as marcas de um passado que não agradava.

Almocei e voltei ao escritório, o tempo já não me parecia mais tão curto para os meus afazeres daquele dia, com certeza o olhar daquela mulher abrira minha visão para um mundo onde a competitividade e os compromissos, enlouquecem.

Paulinho Sorrentino
Enviado por Paulinho Sorrentino em 19/12/2013
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