O psicanalista, eu e Peter Pan


 
                               Retorno às minhas lembranças. Era a época em que as estagiárias de jornalismo faziam Yoga. Os estudantes de Psicologia faziam psicanálise. Eu era formado em Direito, quarenta anos, mas com imensa vontade de fazer psicologia na Gama Filho, no Rio, onde morava. Antes de fazer a faculdade, fui fazer psicanálise. O psicanalista era ortodoxo. Quer dizer: não dava uma palavra nas sessões e guardava uma distância fria dos seus clientes.
                               O consultório era no Jardim Botânico.  Depois que almoçava no “Bigode do meu tio Vânia”, ou no “Mosca Feliz”, rumava para a minha sessão de cinquenta minutos.
                               O psicanalista não dava uma palavra e eu, de picardia, também não falava. Era como se fosse um torneio de quem falaria primeiro. Nas duas primeiras sessões não houve diálogo. .  Eu suava de nervoso, sem jeito com aquele silêncio estarrecedor. O que seria que o psicanalista ortodoxo estaria pensando de mim?   Na terceira sessão, não aguentei e falei.
                               Com toda ingenuidade (talvez para agradar o psicanalista) disse que o meu herói era o Peter Pan. Pra quê? O psicanalista desandou a falar. Deu-me um sermão em regra. Só faltou xingar minha mãe, o que até seria natural, pois os analistas concentram a culpa nos pais. A mãe é mais xingada que em campo de futebol.  Disse-me que eu estava querendo perpetuar minha infância, etc. e tal.
                               Percebi que seria difícil fazer uma graça com meu  analista. Falar, então, dos bares e restaurantes que frequentava?  Que interpretação ele daria para isso? Resolvi emudecer de novo.  Ele prontamente aceitou o desafio, fechou-se em copas. Eu, deitado num divã e ele, atrás, sentado numa cadeira. Nem sei se ele aproveitava para dar um cochilo. Eu suava...
                               Um dia, disse que teria que terminar minha análise. Para minha surpresa, o cara falou  o tempo todo nesta sessão,  dizendo que eu deveria continuar, que era para o meu bem, etc.,etc.  A sessão era caríssima, o valor correspondia a quase todo o meu salário do mês.  Só faltou elogiar o Peter Pan.  Logo ele, que na sessão que falei do Peter Pan só faltou me internar, me colocar numa camisa de força.
                               Fui duro com ele. Estava mesmo me despedindo. E dei uma desculpa: estava indo para a Indochina estudar mandarim. E já havia comprado o livro do curso. Era um livro que contava, exatamente,  as aventuras de Peter Pan.
                               O psicanalista nem piscou, ficou estático. E eu fui saindo de fininho...      



Nota: Evidentemente, trata-se de uma brincadeira com o exagero da ortodoxia psicanalítica, o que já não acontece nos tempos atuais.