Hóspede que pensa demais

Nunca sei muito bem como me comportar quando durmo na casa dos outros. Tento obedecer aos costumes locais, mas às vezes me atrapalho e não sei, por exemplo, se a tampa do vaso deve ficar aberta ou fechada – as casas divergem nesse ponto. Há lugares em que ainda existe a janta tradicional, com comida de verdade e todos sentados à mesa, enquanto que em outros cada um come qualquer coisa no seu próprio canto mesmo. O horário dessa refeição varia muito, e por vezes é definido pelas brechas na televisão ou no computador. Em algumas casas todos se recolhem às suas respectivas alcovas logo após a janta ou o jornal, enquanto que em outras só se dorme quando não for mais humanamente possível permanecer em pé. Tento adequar o horário do meu banho aos demais na casa. De preferência sou o último, já que em seguida começo um prolongado ritual de higiene bucal.

Quando vou a São Paulo, sou bem hospedado na casa de uma amiga mineira. Ela oferece-me seu computador, seu quarto e, sobretudo, seu tempo. E eu sou tratado a pires de leite, merecendo que a sua mãe frite um bife e algumas batatas apenas para meu deleite. Há nesta casa em especial uma realidade bastante diversa da minha, e esta realidade late e, principalmente, se joga em cima de mim assim que me avista. Como bons hóspedes que são, a família tenta afastar o cachorro de mim, e eu mesmo faço cara de quem desaprova o seu comportamento, mas a verdade é que eu estou me divertindo pacas – uma casa com cachorro dentro de casa! É quase um parque de diversões.

Uma coisa que acho difícil de acertar é o horário de acordar. Quando durmo fora, costumo acordar cedo, às vezes cedo demais, o que significa que ainda não há café da manhã. Se eu pegasse as coisas por mim mesmo, no outro dia fatalmente acordariam antes de mim apenas para preparar o meu café. São dilemas de um hóspede que pensa demais. Mas com o tempo a gente ganha intimidade – com o tempo eu sei até mesmo o que fazer diante do vaso.