ANTROPOFAGIA, MAS NÃO ANDRADIANA (Será que se faz educação só com estádios e sambódromos?)
Naquela manhã de março, a notícia de uma professora mordida por uma aluna em Ribeirão Preto fez meu coração gelar. Era mais um capítulo na saga grotesca que se tornara nossa profissão. Sentado na sala dos professores, com telemóvel ligado entre as mãos, deixei minha mente vagar para quando decidi ser professor. Ah, a ingenuidade da juventude! Imaginava-me moldando mentes brilhantes, mas me tornei um domador de feras em uma arena chamada sala de aula.
O burburinho dos alunos me trouxe de volta à realidade. Olhei para meus colegas, todos com olheiras profundas e sorrisos cansados. Éramos como jogadores veteranos em um time de futebol, tentando ensinar as regras do jogo a quem nem sequer quer estar em campo. Na educação, como no futebol, temos por técnico os que não jogam mais nada.
As notícias se multiplicavam: cadeiradas, insultos, agressões. Éramos alvos em um bizarro jogo de tiro ao alvo. Alguns riam de nossa desgraça, suas risadas ao vivo e virtuais ecoando como um coro sarcástico. Esse novo canibalismo moderno, onde os alunos "comem" os professores vivos, não é por fome de conhecimento, mas por não querer vê-los prosperar.
Uma colega experiente se aproximou, pintando o retrato da atual conjuntura educacional: "Uns mordem, outros latem, miam e até relincham quando querem tumultuar. Mostram a educação que trouxeram de casa. Muitos pais dão pleno apoio às incoerências. Temo pelo futuro do país. Estudar, poucos querem. Recebem onze livros, e a parte nunca os leva para a escola."
Ao entrar na sala de aula, novamente observei os rostos à minha frente. Alguns poucos ávidos por conhecimento, outros completamente desinteressados. Os livros didáticos jaziam esquecidos no fundo das mochilas de muitos destes. Era como tentar regar um jardim onde metade das plantas se recusava a crescer.
Considero uma gravíssima agressão o fato de que os alunos que não querem estudar atrapalham, protegidos por normas frouxas e ultrapassadas, aqueles poucos que ainda querem progredir. Que futuro podemos esperar de uma sociedade que não valoriza a educação e os educadores?
Ao final do dia, exausto e com a alma mordida, me perguntei: o que estamos fazendo de errado? Por que nossa sociedade parece ter perdido o valor da educação? E, mais importante, como podemos reacender essa chama?
Talvez seja hora de repensar todo o sistema, de buscar novas formas de conectar com essa geração tão diferente da nossa. De mostrar que o conhecimento não é uma prisão, mas uma chave para a liberdade. Minha esperança reside naqueles poucos que ainda veem valor no aprendizado.
Enquanto isso, seguimos em frente. Mordidos, arranhados, adoecidos, mas ainda de pé. Porque cada mente que conseguimos alcançar é uma vitória. São essas pequenas vitórias que nos mantêm lutando, dia após dia, nessa nobre e desafiadora missão de educar. Talvez, ao invés de simplesmente lamentar, possamos encontrar forças para lutar por mudanças significativas, clamando por um sistema educacional que realmente proteja e valorize seus professores. E assim, quem sabe, possamos começar a construir um futuro mais justo e promissor.
Questões Discursivas sobre a Desvalorização da Profissão Docente no Texto:
1. Com base na narrativa do autor e nos exemplos apresentados, quais os principais desafios enfrentados pelos professores no contexto educacional atual?
2. De acordo com o texto, como a falta de valorização da educação e dos educadores impacta negativamente o processo de ensino-aprendizagem e o futuro da sociedade?