Onde encontrar o Brasil

ONDE ENCONTRAR O BRASIL

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 11.12.13)

Sinto muito, mas só há um lugar, ou uma única ocasião, em que se pode encontrar o Brasil, todo o Brasil. Muitas vezes nem imaginamos o tamanho que temos, a força que possuímos, os caminhos que podemos abrir. Posto que é muito difícil encontrar o Brasil.

Houve época em que o Brasil estava, senão se encontrando, ao menos se descobrindo, o que não é façanha desprezível. O trauma nacional de um presidente da República que se suicida para que a democracia não morra (Getúlio Vargas, agosto de 1954) é o ápice de um ciclo que começa em 1950 quando, contra todas as certezas inquestionáveis, a Seleção brasileira perde a Copa para os uruguaios no Maracanã. Anos depois, em julho de 1954, contra todas as pesquisas que davam o título a Martha Rocha, a estadunidense Miriam Stevenson fica com a coroa de "Miss" Universo; nossa primeira "Miss" Brasil amarga o segundo lugar.

Mas então já tínhamos a Petrobras, criada em 1953 para buscar petróleo em uma terra cujo subsolo, garantiam todos os laudos geológicos assinados por especialistas dos EUA, não continha uma gota sequer do óleo negro. E em 1955 elegemos um presidente que inventou de trazer fábricas de automóvel para o País e construir, em tempo recorde, uma cidade inteira no meio do nada, no centro do Brasil, para ser a nova Capital Federal. Em 1961, na inauguração de Brasília, Juscelino Kubitschek recebe o novo presidente - a primeira vez na História republicana em que um presidente democraticamente eleito passa o cargo a outro presidente democraticamente eleito. Crescíamos como País, nossa autoestima fazia-nos orgulhosos de sermos brasileiros. E já havíamos ganho a Copa de 1958 na Suécia - primeira vez na História que uma Seleção de futebol levanta a taça fora do seu continente.

Em 1961, nova tentativa de golpe de Estado é rechaçada, no ano seguinte somos bicampeões no Chile, e estudantes, trabalhadores e até políticos discutem com seriedade, em todos os recantos do País, soluções para os problemas nacionais num grandioso exercício de democracia, até hoje não igualado. Víamo-nos, enfim, como povo com um futuro ao alcance das mãos.

Em 1964 sobrevém a tragédia. Retrocedemos centenas de anos, entramos na barbárie e interesses pessoais e corporativos passam a ditar o rumo dos governos. Muita gente foi torturada, pouca gente ficou milionária e todos fomos calados. O Brasil foi fragmentado e dispersado.

Hoje, não se pode encontrar o Brasil num estádio de futebol, pois ali haverá duas torcidas adversárias e ali não estará quem não gosta de futebol. Não se pode encontrar o Brasil num desses tantos "resorts", pois apenas a minoria endinheirada pode frequentá-los. Não se encontra o Brasil numa convenção empresarial composta por senhores engravatados e senhoras adiamantadas, pois ali todos se vestem da mesma forma, pensam da mesma forma e visam basicamente o lucro dos seus maravilhosos negócios.

O único lugar onde se pode encontrar o Brasil, conversar com o Brasil, cheirar o Brasil, discutir o Brasil, vislumbrar o Brasil - com índios circulando seus enormes cocares, negras opulentas em vistosas vestes coloridas, nossa imensa diversidade e toda gente orgulhosa do que é e das suas origens - é em uma Conferência Nacional de Cultura. Como aconteceu em Brasília, por cinco dias a partir de 27 de novembro, reunindo 1.745 pessoas de todos os cantos, raças, hábitos e costumes.

Porque quem discute cultura fala do que as pessoas fazem no seu cotidiano. No cotidiano múltiplo do Brasil.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.

Flávio Tavares, "Memórias do Esquecimento"