Peixe faminto
Existe um espelho d´água escondido em meio às superquadras da Asa Sul. Provavelmente um dia ele já foi transparente: atualmente ele reflete apenas em tom esverdeado. Eu não teria parado para observar se não houvesse percebido nele uma grande quantidade de peixes. Pouca coisa entendo de peixes – como também de flores e de árvores. Não sei diferenciá-los e apenas há pouco tempo eu passei a comê-los. Meu contato mais próximo havia sido no aquário da minha avó. Parei então para observá-los.
Todo aquele projeto paisagístico tem como objetivo promover a reflexão. Aparentemente, não são muitas as pessoas que param para refletir diante do espelho d'água, do contrário a minha presença não teria causado tamanho rebuliço. Isto é, em pouco tempo todos os peixes começaram a nadar na minha direção. Peixes de todas as cores e tamanhos. Tentei contar quantos eram mas não consegui. Certamente eram mais do que 50. Eles se ajuntaram de tal modo que cheguei a pensar em um metrô lotado. Eu sei que peixe tem aquele olhar parado, mas sem dúvida era para mim que olhavam. Um deles, o maior de todos, colocava de vez em quando a boca para fora da água.
Será que peixe fica impaciente? Aqueles deviam estar, porque eu não tomava nenhuma atitude, embora soubesse exatamente o que eles queriam de mim. Mas eu sabia que não poderia alimentá-los e que estaria cometendo um grave erro se agisse assim. Embora resolvesse o problema momentaneamente, isso seria igual a perpetuar a sua condição de peixe faminto. Sem dúvida existe uma associação de assistência social para vertebrados aquáticos que já se ocupa dessa questão. Tenho razões lógicas e aceitáveis para não alimentar os peixes, e confesso que isso me agrada, pois eu tampouco estava disposto a ajudá-los. Para isso existe uma associação. Consciente de que o problema dos peixes não me dizia mais respeito, simplesmente me levantei e fui embora. Porque não há coisa mais chata do que ficar perto de quem quer algo de nós.