Montanha
 
   Relendo Rubem Braga, trouxe-me à memória lembranças antigas, lembranças de uma outra realidade que a minha mente teima em não esquecer. Alí tenho os meus segredos guardados em pedras, a minha nostalgia esculpida no tempo, os meus sonhos e amores de outrora. A montanha a que se refere o autor não é minha desconhecida, pois no Rio vivi a minha adolescencia e amores inesquecíveis. Por um instante imaginei viver assim, fora de toda agitação vã, para pensar com mais sossego a vida. Nas tardes cinzentas e calmas, de chuva fina, meio às escondidas e em voz abafada como um segredo, ia seguindo o meu caminho, entre flores e florestas, o gorjeio dos pássaros e a solidão no peito infantil. Testemunhas afirmam que fui uma criança, ora triste, ora alegre, mas muito inquieta à procura de um tesouro — tesouro nunca encontrado. E citava Mateus: "Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos".Nas procissões, e dos sinos, no silêncio do quarto, no medo do coração, em todas as estações do ano, eu dialogava com Deus, ou talvez não fosse um diálogo, mas um interminável monólogo. Mas se Deus não estava comigo, os pássaros, ás árvores, a floresta densa e desconhecida encontrava o seu menino – pensativo e observador. 
   A poesisa, companheira inseparável, ditava versos: "Não quero suas drogas, não quero sua grana. Só quero roubar o seu amor. Eu quero você me apertando e me chamando de docinho, Só quero roubar o seu amor. Mé dá a sua mão forte, vá embora comigo. Eu não posso roubar o seu amor. Vamos lá, deixa eu te beijar e libertar, Eu não preciso roubar o seu amor".
   E lá, em Carmo do Rio Claro, eu deixei o meu amor. "E penso hoje que esta não é uma história de verdade. Esta é uma história de mentira".
   Se só na morte perfeição existe, por que da vida sofrer a sorte? Bem se vê que andam juntas – vida e morte – em zombaria.

 
Roberto Gonçalves
Escritor
   
RG
Enviado por RG em 16/12/2013
Reeditado em 28/07/2016
Código do texto: T4613660
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