EVOCAÇÃO DO MENINO RICARDO

NA MANHÃ DE 15 DE DEZEMBRO DE 2013

Há muitos e muitos anos tive, entre tantos alunos brilhantes, um aluno chamado Ricardo, na época com 14 anos - hoje ele deve ter filhos adultos, talvez já tenha até algum netinho recém-nascido. Os tempos na Educação ainda eram outros, não os do descalabro atual que também já vem de muito tempo - sou uma mulher muito antiga, não se esqueçam.

Certa ocasião, propus à classe que escrevesse sobre mundos marginais - depois, claro, de atividade anterior motivadora. Entre vários textos bons, nunca pude esquecer o de Ricardo: ele escreveu, no durante da aula, texto em 1ª pessoa, colocando-se na pele de um adulto drogado, em estado terminal - é imprescindível lembrar que, há 26 anos, o panorama social era bem diverso do de hoje e é preciso dizer também que Ricardo, menino de classe média, só podia contar com a própria imaginação para se colocar na pele de um drogado em estado terminal. E ele o fez, com o mais absoluto brilhantismo, ele o fez melhor do que a maioria absoluta de nós, adultos, o faz. Imaginem, por exemplo, um menino de 14 anos a usar a palavra "nauseabundo". Dá, hoje, para imaginar? Até eu, sua professora, que ultrapassei já -muito pouco ainda, é verdade, mas ultrapassei - a curva dos 60, consigo me espantar.

Escrevi este texto em homenagem aos meus alunos, em homenagem a uma Educação que se perdeu no tempo; em homenagem também a mim, quando eu existia no mundo, quando eu ainda estava bem distante de ter me tornado esta irreversível marginal de hoje: a marginal irremediável de si mesma (não sou drogada, não, só se for de mim mesma rsrsrs) - desculpem, sei que esta escrita podia ter outro final: foi o que saiu. Desculpem. Guardem, junto comigo, só a lembrança do menino Ricardo. O final deste texto esqueçam, por favor.

Bom domingo,amigos.