Por que você quer tanto ser escritor?

Dias atrás, a caminho do trabalho, encontrei um amigo dos tempos de faculdade, paramos, nos cumprimentamos, conversa rápida. Perguntamos sobre os rumos profissionais de cada um, a mudança de endereço, as baladinhas de fim de semana. E lembrei da estima em comum pela literatura, nas aulas de teoria, e a quantas andavam suas produções - ele que produzia freneticamente plausíveis textos, extensas narrativas - coisas de encher os olhos.

- Ah nem me fale... você sabe que sempre quis ser reconhecido como um verdadeiro escritor, que meus textos cheguem às pessoas e que elas possam me admirar, me “ver”, isso seria fantástico. Uma editora até cogitou uma possível publicação, mas nada certo. Então eu vou levando, aqui escondidinho.

Por que esse desejo neurótico de reafirmação?

Por que a necessidade de delação pública, social?

É como perguntar para o artista plástico se ele realmente é artista plástico, quando se tranca no ateliê e lá fica, enclausurado, horas a fio, terminando a pintura da tela, refletindo, misturando cores, construindo traços únicos, só dele. Depois a obra vai pras ruas, pra galeria, para o público. Então, ele não era artista plástico antes disso? É preciso alguém dizer que ele é artista plástico pra se convencer que é? Como é um verdadeiro escritor?

Ser escritor ou qualquer outra coisa que se queira ser na vida está muito mais relacionado com o processo de se fazer essa escrita/coisa do que com o resultado final. É trabalho íntimo, caminhada solitária mesmo.

Sinto muito, mas se você escreve preocupado com o resultado final, este não é o ofício mais indicado, certamente vai se frustrar.

Sem contar que existe uma certa áurea divina em torno da palavra escritor, visto como um ser iluminado, intocável, articulado... nada... uns são tão invisíveis que andam nas ruas saltando poças enormes de lama, comendo pão velho com manteiga, gritando palavrão na sala. E são escritores, e dos bons. E ninguém precisou bateu na porta da casa deles para lhes dizer que são escritores de verdade.

E acredite, eles o são, por excelência, sem nenhuma linha lida.

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