Os Três Macacos Sábios
"Andy Warhol mil vezes na TV disse: No gossips, Miss, darling, querida, vê se te toca, leva tua vida sem fuxico nem fofoca… " (Caetano Veloso – Grafiti)
Na lojinha de bugigangas, deparei-me com a estatueta. Três macacos, sentados lado a lado, tampando com ambas as mãos, respectivamente, olhos, ouvidos e boca. Menina curiosa, fui assuntar. Soube tratar-se de uma réplica em miniatura das figuras que ilustram o portal de um templo, na cidade de Nikko, no Japão. O que cobre os olhos chama-se mizaru, o que tampa os ouvidos é kikazaru e iwazaru é o que cala a boca. Zaru, que significa negação, tem o mesmo som de Saru, que significa macaco. Assim, as figuras representam um trocadilho que significa: não vejo, não ouço e não falo. Mais exatamente, do mal, no sentido de se evitar a maledicência.
A lição parece ter sido aprendida, mas como bons interesseiros que somos, a entendemos como ela nos aprouver. Que atire a primeira pedra quem nunca contou a outrem alguma situação constrangedora, comprometedora ou humilhante passada por outrem. Difícil resistir. Seja porque a história é engraçada, seja porque achamos que a pessoa em questão merece mesmo passar por tal embaraço, seja tão somente, por não termos mais o que fazer. Às vezes, não nos limitamos ao que vemos ou ouvimos e repassamos até a intriga ouvida de terceiros. Quase sempre, para valorizar a cena, aumentamos um detalhezinho aqui, outro ali. E assim, mantemos olhos e ouvidos bem abertos e a língua venenosa irrequieta que nunca para dentro da boca.
Só calamos mesmo quando lidamos com os problemas do mundo. A empregada apanha do marido, há indigentes dormindo sob a marquise, molecotes impúberes cheiram cola na pracinha, doentes morrem nos corredores de hospitais sem atendimento, jovens são brutalmente assassinados na disputa pelo poder do morro... Nessas horas, damos de ombro, superiores: já pagamos nossos impostos, educamos nossos filhos, pagamos mais caro pela segurança de nosso patrimônio, somos educados e politicamente corretos, tratamos todo mundo com respeito e educação... Até votar, nós votamos de forma consciente.
Macacos sábios, tampamos olhos e ouvidos para não testemunhar essas iniqüidades.
E a boca se abre só para justificar:
- Eu?? E o que é que eu tenho a ver com isso?
Texto publicado no jornal Alô Brasília de xxxxxxxx, reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 12/06/2009.
Imagem daqui.
A lição parece ter sido aprendida, mas como bons interesseiros que somos, a entendemos como ela nos aprouver. Que atire a primeira pedra quem nunca contou a outrem alguma situação constrangedora, comprometedora ou humilhante passada por outrem. Difícil resistir. Seja porque a história é engraçada, seja porque achamos que a pessoa em questão merece mesmo passar por tal embaraço, seja tão somente, por não termos mais o que fazer. Às vezes, não nos limitamos ao que vemos ou ouvimos e repassamos até a intriga ouvida de terceiros. Quase sempre, para valorizar a cena, aumentamos um detalhezinho aqui, outro ali. E assim, mantemos olhos e ouvidos bem abertos e a língua venenosa irrequieta que nunca para dentro da boca.
Só calamos mesmo quando lidamos com os problemas do mundo. A empregada apanha do marido, há indigentes dormindo sob a marquise, molecotes impúberes cheiram cola na pracinha, doentes morrem nos corredores de hospitais sem atendimento, jovens são brutalmente assassinados na disputa pelo poder do morro... Nessas horas, damos de ombro, superiores: já pagamos nossos impostos, educamos nossos filhos, pagamos mais caro pela segurança de nosso patrimônio, somos educados e politicamente corretos, tratamos todo mundo com respeito e educação... Até votar, nós votamos de forma consciente.
Macacos sábios, tampamos olhos e ouvidos para não testemunhar essas iniqüidades.
E a boca se abre só para justificar:
- Eu?? E o que é que eu tenho a ver com isso?
Texto publicado no jornal Alô Brasília de xxxxxxxx, reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 12/06/2009.
Imagem daqui.