ARQUIVO NACIONAL
Tempo de papéis amarelados, documentos manuscritos com pena de pato, arrepios de solidão e poeira, uma traça curiosa roi a palavra... maior é o arrepio ao me deparar com a frieza dos arquivos digitalizados, signos que escapam ao controle e surgem como fantasmas metálicos.
No vetusto prédio os fantasmas da república usam fardas e galões, e as flores secas nos indicam que tudo é passageiro.
Nos jardins ainda as pegadas de botas de soldados de chumbo engalanados para as glórias e os funerais cívicos. O sangue jamais seca depois das batalhas porque as veias abertas pelas adagas moram em corpos gestados para a vida, e não para morrer sob o sol ardente numa tarde clara de pássaros assustados com o ruído repentino dos canhões.
Arabescos na fachada, janelas estremecidas , há algo de túmulo neste edifício que guarda os esquifes da história e as rendas dos papeis roidos pela traças são uma melancólica visão , feito esqueletos onde já não há nenhum sinal da antiga e viçosa carne. Memória do papel cheirando a recém nascido , a fibra vegetal ainda exalando perfume. Neles mãos bem cuidadas traçaram decretos e decidiram vidas, assinaram-se sentenças e alforrias.
Das vidas tantas que já pisaram estradas barrentas, ou passaram por elas levados por carruagens, agora restam resquicios em alguma assinatura, ou apenas digitais que o tempo não apagou e que ainda estremecem; ficam das mãos que já não existem, alguma vaidade, algum delírio, algum mesquinho toque.
Guardamos a história em velhos móveis , recortada em pedaços, na semiobscuridade. Guardamos a vida para mais tarde , para os arquivos , enquanto sonhamos dormidos nas horas mal contadas desses relógios que não medem e desses medidores que não falam horas mentidas ao mundo dos vivos e dos mortos.