O reflexo

Passei rapidamente em frente ao espelho do banheiro da faculdade e, de relance, vi algo que parecia estranho. Voltei a fim de verificar com precisão se realmente eu tinha avistado algo fora do comum ou se havia sido apenas uma sensação. Olhei fixamente para o meu reflexo naquele espelho. Aparentemente eu estava sozinha no banheiro e assim fiquei por um tempo, o que me permitiu ficar inerte ao que acontecia ao meu redor e apenas ficar olhando constantemente para o espelho.

A figura do espelho me causou um estranhamento inenarrável. Nesse momento de estranhamento de meu próprio reflexo, ocorreu-me uma aparente crise de identidade. Meu passado foi apagado da minha mente, de forma que eu não conseguia buscar nenhuma lembrança do meu pretérito, seja próximo ou distante. Fiquei siderada com inúmeras questões caindo sobre minha cabeça: “Quem sou eu?” “O que estou fazendo aqui?” “Onde estão as pessoas?” “Como eu estou vivendo?” “Sempre fui feia assim?” “O que é beleza?” “O que vou fazer?”...

Houve um estranhamento não só da minha aparência externa, mas da interna também. O encadeamento e sucessão dos anos aconteceram de forma tão veloz que não havia parada no espelho para reparar minha possível essência e aparência. A pele com aspecto envelhecido surgiu de modo que eu não havia notado. E os meus olhos? Sempre fora assim?

Mas o mais importante, que vai além dos aspectos físicos, é a essência. O que eu sou e o que eu era. Meus propósitos e minhas ideologias. Metamorfosearam-se no meio da estrada. Aproximo-me mais do espelho com o intuito de procurar algo que parece que eu tinha perdido, ou que estava muito escondido em mim. Quase beijei o espelho procurando. Achei. Lá no fundo, quase imperceptível. Apenas olhos mais atentos e, talvez, com lente de aumento conseguiriam enxergar. O que achei, com dificuldade, foi o lugar, em mim, que havia reservado para Deus.

Percebi, então, que deixei qualquer e todas as coisas me afastarem do contato direto que eu tinha com o meu melhor amigo e pai. Negligenciar algo que deveria ser o mais importante na minha vida e o meu propósito de viver? Como deixei que tal situação ocorresse? Eu não sou nada e nunca serei nada se não tiver Deus comigo, me ajudando e me carregando no colo. E esse era o estranhamento que me ocorreu hoje. Deparei-me com o “almost nothing”.

Tantas vezes o ser humano busca incessantemente e em vão, o que só poderia encontrar em Deus. O cristão vacilante acaba procurando em pessoas, coisas, trabalho e estudo a paz que só o Senhor pode dar. Pois ele nos dá a PAZ QUE EXCEDE TODO O ENTENDIMENTO. Não há o que se entender aqui, pois excede qualquer conhecimento, seja científico, filosófico, literário, teológico ou de qualquer área.

Agora pensando e escrevendo consegui organizar meus pensamentos e entender com maior precisão o estranhamento que senti. Acredito, embasada totalmente na minha fé, que foi o Espírito Santo incomodando meu coração para a forma indevida que estava lidando, não só com minha vida, mas com minhas decisões, isto é, sem consultar a Deus antes. Estava vivendo como se eu fosse dona da minha própria vida. Não quero e não devo pensar que posso tudo com meus esforços. Deus é o único que me dá subsídios para poder prosseguir em qualquer empreitada que eu encarar. Além disso, sem a sua permissão e vontade não poderia seguir, porque nada teria propósito e eu viveria ao acaso.

Creio que a partir de agora retomo o que antes eu afirmara: “Eu não existo, subsisto através da trindade”. Relendo essa frase, tudo faz sentido. Se me afastar daquilo que sustenta minha subsistência eu, simplesmente, não existiria. O reflexo do espelho estava se esvaindo paulatinamente e, se não houvesse esse movimento catártico, o reflexo desapareceria.