HOJE EU GOSTARIA DE SER EMÍLIA
Qualquer um que me visse hoje, pela primeira vez, inevitavelmente seria levado a crer que isto em que me transformei não passa de uma boneca de pano, em um de seus raros momentos de sono.
Assim, bem assim, gostaria eu de estar agora, num profundo sono e que, repentinamente, eu acordasse, para que o desavisado depressa percebesse quão grande fora seu erro.
Ah, como gostaria de ser Emília neste dia, neste momento!
Se assim o fosse, de meu inquieto, pequenino e ativo corpo, saltariam pensamentos extremamente inteligentes e eu voltaria a ser agitada e barulhenta.
De meu minúsculo ser, muito bem costurado com pedaços coloridos de pano, emanaria uma energia estrondosa, que logo contagiaria todos ao meu redor.
Meus cabelos, multicoloridos, cairiam sobre os ombros, de onde penderia um vestido cheio de bolinhas vermelhas. Minhas bochechas, constantemente ruborizadas, destacariam os meus olhos pequenos e escuros.
A boca, apesar de pequena, estaria sempre em movimento, enfeitada por um forte batom vermelho. O nariz, um pouco arrebitado, dar-me-ia um ar de arrogância e de impertinência. Só por hoje, apenas hoje, não me importaria com esse ar de presunção e altivez.
Em suma, minha face, depois de bem acordada, seria o espelho da personalidade marcante de Emília. Em mim estariam instaladas a aparência desafiadora e a arrogância da boneca e estas seriam supridas pela grande alegria e despreocupação com que ela sempre levou a vida, dando a todos uma aula de como se deve realmente viver.
Além de alegre e desafiadora, por ser muito emotiva e repleta de sentimentos nobres, certamente eu não perderia, em nada, para qualquer ser humano que tivesse um coração verdadeiro pulsando no peito.
Entretanto, todos que me olham só percebem a letargia e eu busco forças nos velhos trapos coloridos de Emília, confiando em que não se rompam neste meu esforço imensurável, para voltar a ser alegre e despretensiosa, feito Emília (bem acordada).
ESCREVI ESTE TEXTO EM RAZÃO DA DOR DO DESENCARNE DE MEU SOBRINHO, WALID MAHMOUD NAGE, FILHO DE MINHA IRMÃ E A QUEM EU MUITO AMO.
Dalva Molina Mansano
21:46
12.12.2013