Os meus sapatos
Meio contra a minha vontade, acompanhei duas amigas a uma loja de sapatos no shopping. Uma delas queria trocar o presente que ganhou de amigo-secreto. O sapato servia direitinho, mas sabe como são as mulheres: havendo a possibilidade de trocar por um mais bonito, elas trocarão. Pois deixei que ficassem entretidas comparando sapatos e, sorrateiramente, escapei para a livraria mais próxima do shopping, que por sorte ficava no mesmo andar.
Ah, aquele era o meu habitat! Eu passaria horas ali dentro apenas olhando as prateleiras, puxando livros pela lombada, lendo a orelha, a contracapa, os trechos selecionados ao acaso, eventualmente consultando o preço, e quase sempre achando caro demais. Mas quando eu consigo comprar um livro, que delícia que é. Às vezes tenho a sensação de estar enganando a livraria. Imagine, por umas poucas notas de papel eles deixam que eu leve o livro para casa, que ele passe a ser meu, exclusivamente meu, por tempo indeterminado.
Principalmente quando eu conheço o autor e sei que o livro será bom. O caixa acha que aquilo que ele está colocando para mim dentro de uma sacola é só mais um livro no meio de tantos outros livos. Mas o que eu estou levando mesmo, a preço de banana, é um punhado de felicidade.
Nessas horas eu sou como a menina Clarice Lispector diante das Reinações de Narizinho: finjo que não tenho o livro, só para depois me assustar ao perceber que tenho. Dou-me ao luxo de fazer coisas aborrecidas apenas para depois me lembrar: “É mesmo, eu tenho um livro bom pra ler”. E dá vontade de ler mais devagar, de fazer com que “estar lendo um livro bom” seja uma ação bem demorada. Leio um pouco, paro, olho a capa, folheio de novo, procuro novos detalhes - só não costumo cheirar, mas acho totalmente compreensível que se cheire também.
Tudo isso justifica que, quando minhas amigas saíram da livraria e me acharam no meio dos livros, eu tenha apontado para as prateleiras e dito a elas:
- Esses aqui são os meus sapatos.