Teodicéia
Era uma vez um deus.
Ele estava só, e nada havia.
Não havia mundo, e nem lugar para haver havia; nada havia, exceto a solidão absoluta.
Deus estava só, e não tinha nome.
Então o deus sonhou, e em seu sonho havia luzes e coisas.
E tudo era estupefação e perplexidade em cada nova ocorrência.
E os fatos se desdobraram em outros fatos, as coisas em outras coisas.
Era a criação contínua, e cada momento era novidade.
Criaram-se estrelas, planetas e galáxias, multidões de estrelas.
E tudo era o sonho de deus, em sua própria unidade.
Depois os seres viventes vieram povoar o sonho.
E cada ser vivo tinha um eu, e vivia por si.
E deus sonhou que era um ser no mundo do sonho, sonhou que era um eu.
E pela primeira vez houve um outro, porque tudo o que tinha havido era a unidade de deus em seu próprio sonho.
E deus viveu a vida do ser que vivia em seu sonho.
E o ser gerou outras vidas, outros eus, e o deus viveu cada um desses eus, e foi cada um deles.
E os seres evoluíram e se diversificaram, e o deus viveu cada uma das vidas diversas, animou cada uma das múltiplas mentes em seu sonho.
E tudo era o sonho de deus.
Depois veio o homem e seu imenso teatro.
E cada homem construiu sua própria vida, seu próprio drama.
E deus viveu cada uma das vidas de cada um dos homens.
E deus foi bom em cada momento de bondade, e foi mal em cada instante de maldade.
E deus se comoveu e se regozijou com a bondade, e se comoveu e odiou a maldade.
E havia bondade no mundo dos homens porque era bom que houvesse a bondade.
E por haver maldade houve os herois.
E havia maldade no mundo dos homens para que deus se comovesse com a maldade.
E todo o imenso palco da vida, todo o imenso espetáculo, era apenas o sonho de deus, na mesma unidade primeva.
E tudo o que havia era a mente de deus contemplando o enorme espetáculo de seu sonho.