Criar um personagem

Nesta minha atividade de escrever, muitas vezes crio personagens. É uma tarefa emocionante, mas se não conduzimos curtas as suas rédeas eles podem de fato começar a existir, como aconteceu com o boneco Pinóquio, do velho Gippeto. O espaço entre a realidade e a ficção pode se tornar tão próximo que acabamos não conseguindo distinguir essa linha divisória. Alguns nos cativam de uma forma tão envolvente que pode até surgir uma amizade, um bem-querer. Quando isso se dá, tentamos protegê-los. Mas, às vezes, o oposto também acontece. Esses podem ser tão negativos, tão desprovidos de virtudes que durante o tempo em que escrevemos costumamos sentir grande indisposição.

Certa vez isso aconteceu com um personagem cujo sentimento era só de ódio. Tudo o irritava, tudo lhe causava furor. Após ter sido criado, ele não quis mais ser moldado. Eu o observava com um olhar inquiridor e tentava entender o que tanto o incomodava. Tentava entrar no seu pensamento, no seu ser, na sua vida, no antes do seu existir. E o que vi? Vi um ambiente hostil, todo carregado de chumbo. De chumbo mesmo, ou seja do minério chumbo e não a munição de uma arma de fogo. Talvez o seu corpo estivesse coberto com uma capa de chumbo...

Como carregar semelhante peso e não sentir ódio? Ódio da vida. Ódio das pessoas. Ódio do existir. Como enxergar as belezas da vida, carregando aquele peso? Como conseguir sentir Deus se os seus ombros estavam envergados... encurvados... Encurvado assim, só se olha para o chão. Não se pode contemplar as estrelas. Não se pode ver o colorido do crepúsculo.

Meus dedos tentam acompanhar o meu pensamento, colhendo a palavra certa ou seja, a palavra que melhor defina esse personagem. De tanto tentar defini-lo, eu sinto incorporá-lo. Eu passo a sentir a sua dor e os meus ombros estão doloridos. O meu peito parece estar fechado até mesmo para o ar. Quanta angústia, meu Deus! O que fazer para que o meu personagem se sinta aliviado?

Vejo agora que o céu coberto de nuvens escuras, cor de chumbo, que estão sobre ele, estão se dissipando e a luz do Sol ilumina tudo. Por que o peso daquele personagem não se dissipa como aquela nuvem? Será que nele o vento não é forte o suficiente para realizar esse grande bem? Creio que nele só mesmo o vento benéfico do verdadeiro e genuíno amor é capaz de penetrar. Somente Deus, que é esse Amor, poderá romper essa barreira de chumbo e fazer nele a sua moradia. Aí eu já tento imaginá-lo, começando a se beneficiar com o amor do Criador pela criatura... E crio outro personagem que aja por Deus na vida dele para que esse bem aconteça.

Só assim poderei continuar narrando a sua história sem sentir a sua dor.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 11/12/2013
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