MARAVILHAS - A FLOR DAS GERAIS.

     Seriamos hoje, irremediavelmente, déspotas, caso não procurássemos compreender a dimensão e o significado das ações de nossos antepassados. Àquela ocasião, visionários partiram para as conquistas de seus ideais, em meio à sacrifícios e a confiança em suas tênues esperanças. Consequentemente, hoje, 12 de dezembro de 2013, data em que se comemora o 60º aniversário de fundação da cidade de Maravilhas/MG., tentarei elaborar um compêndio, acerca da trajetória da ação histórica e a reação que desencadeou, entre outras, o povoamento de Maravilhas, assim como toda a região do centro-oeste de nosso Estado.
     
     Vamos dar inicio à nossa narrativa por ocasião da Guerra dos Emboabas, conflito que se originou em razão das descobertas do ouro na região da atual Ouro Preto. Os desbravadores paulistas, conhecidos por bandeirantes, se acharam no direito de serem os únicos a explorar o filão recém-descoberto, por o terem encontrado e em razão daquela região mineira fazer parte da Capitania de São Vicente, terras do atual Estado de São Paulo. Os vicentinos, como eram chamados pelos povos restantes, foram comandados pelo famoso bandeirante paulista, Manoel de Borba Gato, quem havia se radicado em terras mineiras. A ideia dos paulistas não era compartilhada por esse povo que vivia no Brasil colônia, composto por imigrantes, dos mais variados rincões, ou descendentes de portugueses, principalmente os que viviam no nordeste brasileiro, região famosa por receber pessoas vindas das mais variadas colônias portuguesas, entre outras, ao redor do mundo. É bom salientar que o Brasil colônia, à época, e sua população, acima citada, não comungava de um sentimento nacionalista. Comandados por Manuel Nunes Viana, um luso-nordestino, foram apelidados pelos vicentinos de emboabas, nome que era dado a toda ave emplumada na época, ou pejorativamente, nesse caso, como afeminados.
     
     Toda essa leva de gente foi atraída àquelas paragens, em busca do ouro. O confronto foi travado entre 1706 e 1709, vencido pelos emboabas que expulsaram das minas da região os paulistas ou vicentinos, como queiram. Sem os benefícios desejados e sem forças e homens para lutar, os derrotados seguiram para o centro-oeste mineiro, onde mais tarde descobriram novas jazidas de ouro, chegando alguns, inclusive, aos atuais Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Interiorizaram-se e aumentaram cada vez mais o território, desrespeitando o Tratado das Tordesilhas. As terras de Santa Cruz, colônia portuguesa, que até o fim do século XVII tinha somente a Vila de São Paulo, às margens do Rio Inhambi, hoje a capital do Estado de São Paulo, às margens do Rio Tietê, como o núcleo colonial mais avançado do interior. Logo depois desse conflito o Governador da Capitania de São Vicente, criou as três primeiras Vilas em Minas Gerais, oriundas de grandes povoamentos da época:

1- Vila do Carmo, atual Mariana, que se desmembrou em outros 150 municípios.
2- Vila Rica, atual Ouro Preto, que se desmembrou em outros 258 municípios.
3- Vila de Sabará, que se desmembrou em outros 314 municípios. 
    
     De acordo com registros de 1782, feitos pela Câmara da Vila Rica de Pitangui, por volta de 1710, os bandeirantes paulistas, seguiam em direção ao sertão, acompanhando a margem de um rio, até encontrarem uma aldeia indígena repleta de crianças e o nominaram como, Rio das crianças, posteriormente, Rio Pará. Essa expedição pernoitou à beira de um Córrego afluente, onde seu velho guia morreu picado por uma serpente. Desanimados em seguir na empreitada, os bandeirantes resolveram regressar pelo mesmo caminho por onde haviam passado. No dia seguinte, à pouca distância de onde haviam pernoitado, o coluna da frente da expedição avistou um grão reluzente, sobre a terra de um buraco de Tatu. Ao examinarem o terreno descobriram, “ouro de mui fácil extracção, superficialmente espalhado na terra, à guisa de batatas”, conforme os registros da Câmara da cidade. A noticia da descoberta do ouro se espalhou rapidamente, nos anos seguintes a região se tornou centro de imigrantes aventureiros. Alguns, hoje, dizem que o nome dado ao Morro do Batatal é proveniente dessa passagem, mas também há registros que dizem não ser batatal relacionado “à guisa de batatas”, mas sim à “boi tatá”, nome dados pelos índios a uma cobra venenosa da região.
     
     Os bandeirantes que deram inicio à formação da Vila de Nossa Senhora da Piedade de Pitangui, hoje a cidade de Pitangui, em razão da descoberta do ouro, traziam consigo as amarguras da época da “Guerra dos Emboabas”. Isolaram-se e destemidos não permitiram a entrada nas minas dos representantes da Coroa Portuguesa, chamados de reinóis, para a coleta dos tributos para a realeza, conhecido por, “O Quinto”. Também se levantaram contra os excessos do Cobrador enviado, Jerônimo Pedroso, em 1717. No ano de 1720, outra revolta: expulsaram da cidade o Regente da Vila, que sem maiores explicações, proibiu o comércio de aguardente de cana na Vila. Esses confrontos afetaram a autoridade da realeza, foi então, mobilizado pelo Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida e Portugal, grande contingente armado que vergou os revoltosos. Após a batalha, acrescido da exaustão do ouro na região, parte de seus moradores saíram em expedições exploratórias, à cata de recursos minerários, nas regiões adjacentes.
    
     Por volta do ano de 1730, a crescente preocupação com a escassez de alimentos, acrescido do aumento dos quilombos, que se espalhavam pela região centro-oeste, fizeram com que a realeza doasse terras virgens a particulares, em contrapartida recebia a sexta parte da produção dessa terra, daí o nome sesmarias. O  adquirente também prometia à realeza o combate aos quilombolas. Os quilombos eram formados por escravos fugitivos e índios arredios preados, assim como os foragidos da justiça do Reino. Com o assentamento dos aventureiros do ouro no campo, em fazendas de criação de gado e lavoura, acentuou-se o povoamento do centro-oeste mineiro.
     
     Em meados do século VXIII foi concedido à Veríssimo de Souza Rocha as terras denominadas São Joanico, posteriormente arrematadas por Gervásio Gonçalves Pereira. Após a morte desse último, as terras foram herdadas pelo seu sobrinho, Padre Domingos Gonçalves Pereira, que as repassou, “pos mortem”, a sua herdeira, Maria Gonçalves Pereira, quem se casou com José Aniceto Rodrigues. Naquela ocasião, Antônio Francisco Gonçalves Fraga também recebeu a concessão das terras denominadas Morrinhos e Catita. José Leite Praça também em 1801 recebeu a concessão de terras denominadas Maravilha, (grafia original), e localizadas nas bandas do Rio Paraopeba no arraial do Patafufo, dentre outras feitas em toda região. As citadas acima evidenciam o inicio do povoamento dos locais, onde hoje se localizam os municípios compreendidos das atuais cidades de Pequi, Maravilhas e Papagaios.

     Nas terras denominadas São Joanico, (conforme os municípios acima descritos), havia uma Capela dedicada à Santo Antônio e um cemitério que pertenciam aos proprietários da fazenda. À época era exigido, por força de lei, o patrimônio formado e independente das congregações religiosas, assim sendo, decidiu Jose Aniceto Rodrigues e sua esposa, donos das terras, solicitar à Dom Frei José da Santíssima Trindade, Bispo de Mariana, autorização para transladar a Capela de suas terras para outro lugar. Os proprietários de São Joanico adquiriram de José Leite Praça, sua concessão das terras denominadas Maravilha, (grafia da época), nome dado em virtude de uma bonita e abundante flor que existia em seus campos e cerrados, conhecida por, “Margaridas do Prado”. De posse das terras, Jose Aniceto e sua esposa Maria Gonçalves, as doaram ao povo local ou a quem quisesse habitá-las, estabelecendo normas para sua ocupação. Logo em seguida iniciaram a construção da nova Capela. Os registros históricos relatam que José Aniceto não fez a escolha do local a seu arbítrio, ele formou uma comissão, entre os melhores homens e moradores da região, essa comissão estudou vários lugares e propôs os três melhores para a sede da Capela: Papagaios, Buriti dos Porcos e Maravilhas, (na grafia atual). A última foi a escolhida unanimemente pelos membros da comissão, por estar mais ao centro da região e oferecer melhores condições para o desenvolvimento de grande povoação.

     À luz do Sol da tarde do dia 25 de setembro de 1835, a nova Capela foi benta pelos Padres Belchior Pinheiro de Oliveira e José Taveira, em grande solenidade que contou com a banda de música de Pitangui.
     
     Aqui abro um parêntese para mencionar um fato marcante: o Padre Belchior Pinheiro de Oliveira, filho da cidade de Pitangui, quem abençoou a Capela de Santo Antônio das Maravilhas, foi quem também acompanhava D. Pedro I no dia 07 de setembro de 1822, e  aconselhou o Príncipe Regente: “se vossa alteza não se faz Rei do Brasil neste momento, será prisioneiro das Cortes, e talvez deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação”. Fato esse cujo desenrolar conhecemos.
     
     Voltando à Capela nova. O altar principal depois de desmontado e trazido da antiga Capela, foi remontado em seu novo lugar, havia sido esculpido em Portugal e decorado com folhas finas de ouro, ostentava ainda santos de roca e alfaias preciosas. Depois da edificação e benção da nova Capela, Jose Aniceto e Maria Gonçalves ordenaram a construção de um cemitério próximo à Capela, em seguida construíram uma grande casa para a moradia da família. O arraial cresceu em torno da Capela de Santo Antônio, com o nome de Maravilhas. No ano de 1841 a área da região de São Joanico desmembrou-se em duas: Pequi e Santo Antônio do São Joanico, esta última formada por Maravilhas, Catita e Papagaios. Em 12 de dezembro de 1953, Maravilhas se emancipa de Pitangui, Papagaios se emancipa de Maravilhas, torna-se essa data e de fundação do município maravilhense. Antes, em 1870, a cidade foi elevada à condição de Freguesia, pertencente à Vila de Pitangui. A Capela, nesta época, recebeu duas torres e laterais, tornando-se Matriz de Santo Antônio de Maravilhas e assim permaneceu por mais de cem anos. Na década de 70, do século passado, sem consulta prévia aos paroquianos, e em sentido inverso ao do democrata José Aniceto e sua esposa, o Padre André Rodonó, demoliu a antiga Matriz, e construiu no mesmo local um moderno templo, a cidade perdeu seu patrimônio histórico.
     
     Essa é a história de Maravilhas, erigida das mãos de um homem visionário e democrata, hoje uma realidade. Como bem disse Tasso Lacerda Machado: “Maravilhas marca um lugar adequado na sinfonia das Gerais. Daí a necessidade de revivê-la para demonstrar a gente de agora o que foram os homens de ontem. É dever imitá-los”.
 
Esse compêndio é resultado da seguinte pesquisa bibliográfica:
  • Gomes, Laurentino – 1808
  • Machado, Tasso Lacerda – Dados Para A História De Maravilhas
  • Priori, Mary Del e Venâncio, Renato Pinto - Livro de Ouro da História do Brasil
JLeal
Enviado por JLeal em 11/12/2013
Reeditado em 10/02/2014
Código do texto: T4607947
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