O problema do medo

O principal no Terminal do Alto Maracanã é que ele tem muitas pessoas. E, o que é melhor, pessoas paradas, esperando um ônibus que normalmente demora a chegar. É um bom cenário para o jornalista que precisa fazer uma enquete. Ora, fazer uma enquete consiste em importunar as pessoas até arrancar delas algumas frases minimamente aceitáveis sobre algum tema em evidência. E era exatamente nesta situação, e em plena hora do almoço, que encontrei um colega de profissão. Andava pra lá e pra cá mendigando declarações. Antes de saber o que ele perguntava, eu já havia percebido que ele recebia muitos “não quero falar nada” ditos praticamente com raiva. Fiquei esperando que viesse perguntar a mim, mas por duas vezes passou ao meu lado sem me abordar. Não devo ter cara de sujeito que responde enquete de jornal.

Mas como tenho bons ouvidos, especialmente quando quero, consegui descobrir do que se tratava a enquete: era pra saber se as pessoas tinham medo de voltar para casa. Aparentemente, a motivação era uma pesquisa que saiu na semana passada e revelou que metade dos brasileiros têm muito medo de morrer assassinado e quase todo mundo tem medo de andar nas ruas. Era improvável que alguém fosse capaz de dizer que não tinha medo de voltar para casa, mas o sujeito marombado a três passos de mim negou que o medo fizesse parte do seu vocabulário. “Nem à noite?”, quis saber o jornalista. Nem à noite. Senti-me mais seguro por estar tão próximo dele.

As velhinhas – e ele ouviu várias – pareciam dizer exatamente o contrário. Tão medrosas estavam que eu próprio cheguei a achar que esperar o ônibus era uma das atividades mais perigosas a que eu poderia me expor. Entrei rapidamente no ônibus assim que ele estacionou. Mas lembrei-me do Jó, aquele mesmo que perdeu todos os bens, os filhos, a saúde – tal como era o seu medo: “Aquilo que temia me sobreveio; e o que receava me aconteceu”. Porque o problema do medo é que ele atrai justamente aquilo que se teme.