A MAGIA DO RECOMEÇO
Estamos diante do maior presente de Deus: a possibilidade do recomeço. O ano que se finda não é o tempo que se vai, é a dádiva que chegou. É a magia da renovação, a oportunidade de um novo rumo para cada um de nós. Ninguém escapou dos erros. Em alguns momentos fomos egoístas, mesquinhos, demagogos e cínicos, mas essas persistentes manifestações da fraqueza humana não nos tiram o direito ao arrependimento nem nos exime do esforço para nos tornarmos pessoas melhores.
Se pudéssemos prever o futuro agiríamos de acordo com as previsões. Se fôssemos capazes de antever a doença, cuidaríamos do nosso corpo com mais carinho, faríamos mais exercícios físicos e regraríamos a nossa alimentação. Com certeza seríamos mais humildes durante o ano se soubéssemos que a desgraça bateria à nossa porta. Vendo a derrota e o infortúnio que se aproximam, deixaríamos de lado o nosso cinismo e nossa demagogia e trataríamos os nossos semelhantes com um pouco mais de sinceridade, porque assim teríamos com quem dividir a dor. Não podemos prever o futuro, mas sabemos que tristeza não suporta a união de pessoas sinceras e que a angústia detesta abraços...
Ano passado fizemos tantas promessas e desejamos tantas coisas boas para tanta gente... Hoje percebemos que pouco ou quase nada conseguimos cumprir. É só fazer uma breve retrospectiva e iremos nos constranger com a certeza de que estivemos ausentes quando muitos nos esperavam ansiosos. Não faltarão lembranças de momentos em que fomos individualistas justamente quando deveríamos ter dividido um pouco do que ganhamos. Fomos mesquinhos com nossos semelhantes e não contribuímos o suficiente para que se realizassem os seus desejos no ano que passou. O pior é que essa nossa omissão é quase sempre inconsciente. O turbilhão da vida na era digital tem desviado a nossa atenção para assuntos sem a menor importância. Os meses vão se consumindo velozmente e andamos depressa demais. Valorizamos cada vez mais o ter e entregamos a nossa essência em nome da sobrevivência num capitalismo devorador e impiedoso.
Se soubéssemos o que estaria por vir depois do réveillon, iríamos diminuir nosso ritmo e apreciar com mais calma a presença dos nossos familiares, dos nossos amigos e até dos desconhecidos que poderíamos conquistar durante uma caminhada, na fila do banco ou no ponto do ônibus. Respeitaríamos de verdade a natureza e não usaríamos o termo sustentabilidade para a autopromoção ou para a exploração comercial destruidora jamais compreendida pelos mais simples. A nossa mania de esperar que o outro faça primeiro não teria razão de ser se houvesse a certeza de que sofreríamos as suas consequências já no ano que vem.
Finda-se mais um ano. É um ano a menos ou um ano a mais? Não interessa. O tempo é uma ilusão... Se não cumprimos as promessas que fizemos a nós mesmos, dá para imaginar o grau de sinceridade com que desejamos um feliz ano novo aos outros... Mas isso acontece porque não temos o poder de prever o futuro... O ser humano tende a ser arrogante e ingrato nas vitórias; porém, humilde e sincero no sofrimento. Considerando que todos nós estamos sujeitos a passar por provações durante a vida, a certeza delas talvez pudesse interferir no nosso comportamento, na nossa maneira de ver o mundo e de tratar o nosso semelhante.
Não sabemos o que está por vir assim como não somos capazes de alterar o que passou; todavia, Deus nos concede a cada ano a magia do recomeço. O aniversário de Cristo deve traduzir-se no renascimento do amor incondicional, na supremacia do perdão, no culto à simplicidade. Vão-se as mágoas e explodem as esperanças. As falsas promessas, os engodos e as adulações quebram a harmonia universal, e suas consequências são inexoráveis. Portanto, não há lugar para a afetação. Tudo deve ser natural e simples como a própria vida...
A virada para um novo tempo chama à reflexão, à autoanálise, à aceitação de nossa insignificância em face do universo. A sinceridade deve estar em nosso coração, em nossos gestos, em nosso sorriso ou em nossas lágrimas. Não existe ano novo. Todos os anos são novos por um período e se envelhecem rapidamente... Os homens é que devem se renovar. Devem lavar-se de dentro para fora e serem gratos eternamente.