Por quem os sinos dobram

Era festa do nosso casamento.
Quando faltavam umas 3 horas para entrarmos na igreja, nós paramos de depenar frangos, galinhas velhas e gordas que não eram boas poedeiras. Até um galo vermelho, pescoço pelado, nós sacrificamos.
O tacho de água já estava fervendo no terreiro, e a molecada pondo mais e mais lenha. Pacotes de macarrão ali, já pertinho para serem cozidos. O sanfoneiro ainda estava a caminho.
Eu namorava a Celeste, moça de fino trato, Filha de Maria da igreja matriz. Moça certa e rezadeira como uma santa. Meu amigo o Timotheo, mineirinho come quieto, saliente, experiente, tinha morado na capital, diziam meio tarado. Iria se casar com a Celestina, irmã gêmea da minha amada.
Até diziam que ele não perdoava nada do sexo feminino, por isso que só andava a cavalo. Homem terrível.
Celeste, aquela santa, se guardava pura, dizia que queria que ouvíssemos juntos sinos e clarins no dia da primeira transa. 
Eu sempre respeitei esse sonho dela.
Eu zelei e cuidei da pureza da Celeste. Na procissão de São Sebastião a gente ficava queimado com a vela quente que escorria pela mão. Os calcanhares eram só bolhas, porque aqueles malditos sapatos novos eram um castigo. Mas nós seguíamos animados, a imagem do santo toda cheia de sangue, toda furada de lanças, era o nosso consolo. Depois da procissão os beijos raros, eram selinhos. 
Nada de dar motivos para o diabo estimular.
Fomos ambos virgens para a lua de mel. Virgens mesmo.
Celestina tinha liberado o parquinho de diversões já algum tempo dizia Timotheo.
Não eram ainda nove horas da noite, pegamos uma Variant verde, do meu amigo, botamos nossas malas, e partimos os quatro, juntos em lua de mel.
A viagem durou a noite inteira, só parávamos para gosolina e umas mijadas na estrada.
Fomos juntos, porque eram gêmeas, e nós amigos, quase irmãos.
Ao chegarmos alugamos dois quartos num hotel ao lado de outra igreja.
O cansaço da noite e dia viajando, nos fez irmos todos pra cama.
Confesso que nem bem deitei já dormi.
Acordei era mais ou menos umas 8 horas da noite. Foguetes,rojões, bumbos, pistões, clarins e sinos. 
Muitos sinos badalando.
Nossa, pensei. É agora. Chegou a hora tão esperada.
De sobressalto na cama, olho para o lado e estão lá, Celeste, Timotheo e Celestina.
Todos pelados. Do lado, duas bisnagas de KY vazia. Travesseiros jogados, lenços pelo chão, penas pra todo lado. Um visão inacreditável.
Estufei o peito, arrumei meu bigode, dou um chute no Timotheo, que estava ali, aparentemente morto, exaurido, com o semblante caído, olhos caídos, enfim tudo caído.
Olha pra mim com esforço e com voz rouca de consumido diz:
E ai mano, desculpa ai mano, não consegui diferenciar uma da outra.
Nossa, aquilo foram lanças socadas no meu peito. 
Eu era um São Sebastião vivo.
Celeste levanta, linda, suave, nua, toda desalinhada. Hematomas nas partes internas das coxas, marcas nos seios. Lábios inchados.
Caminha para os meus braços, se enrosca no meu pescoço e com aquela voz celestial sussurra:
Amor, ouviu os sinos?
Antes que eu pudesse responder, ela concluiu:
Já era.
Nunca mais acompanhei procissão.

Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 23/04/2007
Reeditado em 11/08/2007
Código do texto: T460654
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