NO RIO DA NOSSA TERRA

Lêda Torre

Nos meados dos anos setenta, na cidade de Colinas, ainda muito atrasada, à época, não havia serviço de abastecimento de água e esgotos em sua infra estrutura. Era comum eu e minha mana Júlia, irmos ao rio Itapecuru, lavar roupas, pois a água que possuíamos era a de um tanque de cimento, cuja água foi colocada ali, pelo meu irmão mais velho que ia ao rio buscá-la em ancoretas de um jumentinho. Buscar água no rio em ancoretas num jumento, era uma tarefa muito corriqueira daquele tempo. Não havia água encanada. Reservar aquela água, sempre fora uma obrigação. Só poderia ser utilizada na cozinha e banheiro, pois, lavar roupas só no rio Itapecuru.

Como parte de nossas tarefas e rotina, todo fim de semana, era comum irmos ao velho rio, lavar as roupas da semana, que não eram poucas, e em especial, nossas fardas escolares, porque andar bem arrumadinhos era um dever da minha mãe, para ela andar impecáveis, era seu orgulho. Nunca nos deixou andar mal “ingembrados”, como dizem até hoje, lá no linguajar do povo, em cidades interioranas do nordeste, como a nossa.

De véspera, nossa mãe Creuza Tôrres, linha dura na sua disciplina, nos alertava que no dia seguinte haveríamos de acordar bem cedinho, porque era preciso “pegar a vez” nas “tábuas” de lavar roupas, elas tinham dono (a). Assim era feito. Eu, a mais velha das meninas e a mana Júlia, vulgo Julinha, que vem depois de mim, como as cabeças da tarefa tinham que estar preparadas para a nova missão. Logo à noitinha, depois do jantar, nossa mãe já ia arrumando as ”trouxas” de roupas, uma para cada mocinha, nós, evidentemente...

Ali, na nossa frente, começava a contagem: peça por peça e os pedaços de sabão de coco, tudo na medida, na quantidade certinha, aquele sabão teria que dar pra lavar as roupas, nada de extravagância. O danado do sabão, muitas vezes feria nossos dedos, devido a um dos ingredientes componentes da mistura, a soda cáustica ou potassa, muito ácida, por ser forte. Não podíamos esquecer-nos da “boneca de anil”, uma pedra azul, que ao colocarmos tal material em contato com a água, soltava uma tinta azul, que era para dar um “tchan” nas roupas brancas, aquela nuance levemente azulada.

As recomendações eram tantas, que nem havia um jeito de desobedecer nossa chefa. Uma dessas recomendações era levarmos nossas bananas “babonas ou braonas”, pra comer com a farinha de puba, uma delícia que achávamos, de nada reclamávamos, era só felicidade! Lá íamos nós, felizes da vida, afinal, depois da lavação, era só alegra, brincar e brincar....

Outra das recomendações que Dona Creuza nos determinava, era não “banhar” demais, nem tampouco se “afoitar”, porque em “água não tem cabelo “e segundo as lendas do lugar, não poderíamos esquecer da tal "sucruiú" um monstro do rio, pois diziam que ali havia uma enorme cobra que ao sentirmos um cheiro típico que a bicha exalava, bem forte, e era bom acreditar que por ali, bem perto de nós ela já estaria... E nos olhava querendo aproveitar ao máximo de todos nós, devorar-nos.

Meu Deus, que medo!! Verdade ou não, sei que as roupas é que teriam de vir bem alvinhas sem manchas, e, sobretudo, muito limpas e cheirosas...

O processo era assim: após tirarmos a sujeira inicial das nossas roupas, nós as colocávamos peça por peça ensaboada para “coarar” ao sol, porque na época, como se sabe, não existiam esses alvejantes tão comuns hoje em dia....nem amaciantes, essas novidades de hoje.

Além de limpinhas e cheirosas, também sem manchas e tudo nos conforme, pois a nossa tarefa seria tão somente aquela dali. Ali o nosso foco não era brincar, mas fazer a obrigação, ordens de dona Creuza. E obedecíamos satisfeitas. E, se por ventura, mamãe soubesse que alguma roupa estava manchada, ou “mal lavada”, digamos assim, era uma “pisa” ao certo. Outra recomendação muito forte, sempre foi não nos afoitarmos, pois se por ventura algum de nós se afoitasse, era certo nossa mãe nos corrigir de cinturão...

Outra coisa, muito engraçada era a última recomendação: “nada de demorar, era comum na época não utilizarmos o relógio, salvo algumas pessoas que o possuíssem, mas do tempo tínhamos que estar por dentro, essa de se atrasar, negativo!! Mamãe repetia várias vezes:” água não tem cabelo, por isso nada de tentar pular de cima de nada, e ela assim dizia, vou cuspir no chão, se este cuspe secar antes de vocês chegarem, já sabem, é uma "taca" daquelas, viu?? E o pior que era o mais certo. Dona Creuza não brincava, dava tudo que podia, mas na hora da disciplina, era obedecer ou obedecer.

O mais interessante nesta crônica, é que não tínhamos relógios, sabíamos direitinho das horas, do tempo, era só olharmos para a posição do sol. E quando chegávamos, ainda íamos ver se ali, tinha algum cuspe seco....rsrsrsrsrsrsr.... a gente acreditava mesmo. No fundo, era só cuidado por parte da nossa mãe. Era só uma das suas estratégias que usava para mostrar que ela era “a nossa comandante”. Como também a confiança que depositava em nós, nunca imaginaria um de nós desobedecendo, isso nunca, sempre procurávamos fazer as coisas bem certinhas.

Nossa admiração por ela, não parava por aqui não, sempre foi além do que se chama de uma educação primorosa que nossa rainha nos ensina até hoje. A educação em casa, sempre fora exitosa. Bastava olhar para nós com aquele olhar reprovativo. Ninguém, nem nenhum de nós podia fazer “cara feia”, nem pensar! Tudo era feito com prazer, de pequenas coisinhas, sorríamos até, era engraçado. Ora, vejam só, nossa idade tinha uma média de doze a treze anos, e já obedecíamos, as tarefas se cumpriam com primor, pois, ai de nós se não obedecêssemos.

O percurso de nossa casa até o local de lavarmos as nossas roupas, o “Porto das Pedras”, bem depois do cemitério na BR, longe mesmo, lá só ficavam lavadeiras e mulheres, homem nem pensar, era logo mais abaixo de onde ficávamos, o local de banho deles. O nosso velho Itapecuru, até hoje ali, tem morrido aos poucos, devido a ação depredatória do ser humano. Lá até hoje tem muitos “porões”, isto é, redemoinhos, como são chamados. Por isso o cuidado redobrado da nossa mãe. Obedecíamos sem titubear, nada de carranca, ou bico, era fazer ou fazer, senão a “vara da infância e da adolescência” agia na hora, era sem pena pra valer.

Enfim, era chegada a hora de voltarmos pra casa, cabelos soltos, bem loirinhos, esvoaçantes, e nossa pele da cor de uns tomates, de tão vermelhas que retornávamos. Na verdade a vontade nem era de voltar ainda, dava vontade era mesmo de “banhar” mais um bocadinho. Águas tépidas, bem morninhas, límpidas, corrente, realmente nos tentavam, mas ... o medo de uma “pisa” no rabo, era estarrecedor.

Ah, meu Deus, aquela correa, ou aquele cinturão, só Deus sabe! O terror foi grande, imaginem só, havia também, uma senhora chamada palmatória, essa era que doía pra valer! Por isso, nem pensar! Dona Creuza não era mole não, e hoje só tenho a agradecer por tamanha disciplina, acredito como meus sete irmãos, que foi tudo muito válido, nada perdemos com isso, foi muito oportuno termos sido criados dessa maneira, as coisas bem regulamentadas pela matrona da família.

O tempo passava, e ao chegarmos em casa, era mais de dezesseis horas, enfadadas, cansadas, mas com bastante energia para logo mais depois do jantar e de arrumarmos a cozinha de acordo com uma tabelinha da semana, a frente da nossa casa se tornava uma área de lazer. A criançada da vizinhança vinha para brincar conosco, até a hora que nossos pais apareciam na porta para dizer que já era hora de entrar, se assear e escovar os dentinhos e dormir, pois no dia seguinte, havia mais trabalho, ou se fosse dia da semana, a escola era prioridade.

Impressionante como nem parecia que estávamos cansadas da tarefa do rio. Cantávamos as velhas cantigas de roda, brincadeiras não nos faltavam, era uma mistura só de brincadeiras. Entretanto, no nosso meio, havia sempre um adulto conduzindo nossas brincadeiras. Era o cantador, o animador, o ordenador, o organizador, etc. E quem não lhe obedecesse, estaria fora da brincação, das brincadeiras. Era assim, nossa infância querida.

Ah, se for contar tantas lembranças da nossa infânci, haja papel, haja espaço no Word para registrar todas as nossas brincadeiras e aventuras, entretanto o que mas nos deixa saudosos são essas lembranças maravilhosas. Vale à pena lembrar.

___São Luis, 10 de dezembro de 2013__________

Lêda Torre
Enviado por Lêda Torre em 10/12/2013
Reeditado em 23/06/2021
Código do texto: T4606387
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