Nas minhas idas ao sítio, sempre apreciei ouvir o silêncio do entardecer, quebrado apenas  pelo canto dos pássaros, o farfalhar das folhas secas pisadas e pela aragem, rumorejante na copa das árvores. Como se fosse um recital de anjos, conduzido pelo vento.

Lá no alto, as serras se confundem ao formar um relevo cheio do verde do capim e cinzento das pedras. Um céu estampado em sedutores tons de rosa e laranja, jamais encontrados em cores produzidas pelo ser humano.

Finais de primavera, tempo quente e úmido. Muitas árvores frutíferas pelo caminho. Prestei atenção numa goiabeira cujos galhos se inclinavam à minha frente. Seu tronco se erguia a uma altura maior que as outras árvores; lar perfeito para vários pássaros. Onde os insetos também se rendiam aos frutos e flores.

Aproximei-me da sombra e vi um mundo de folhas encobrindo o céu. O galho mais alto exibia algumas goiabas quase maduras, daquelas de dar água na boca, ainda mais sendo temporãs. Lá em cima havia um ninho com filhotes, pois, ouvi piados e vi um casal de canarinhos assanhados voando por perto.

Desde menina gosto muito de saber do mundo visto lá de cima das árvores.  Respirar e sentir o perfume do ar, ouvir os pássaros e observar as nuvens, me ajuda a compreender melhor as criaturas de Deus.
 
Segurando nos ramos escalei vagarosamente e lá no alto, apoiei-me  no tronco da goiabeira. Meus pensamentos se acalmaram no silêncio daquele instante. De olhos fechados fiquei totalmente sintonizada com a natureza.

Aproveitava o frescor do vento soprando mais forte. As folhas se agitaram, os pássaros fizeram mais algazarra em torno de um pequeno ninho, com três filhotes... Sentindo o cheiro de goiaba, abro os olhos devagar quando dou a primeira mordida e percebo na boca o doce da fruta.

De repente, estremeço ao ver no galho à minha frente- justo naquele em que me apoiava- uma coisa verde escorregando sinuosamente pelos ramos... Não queria acreditar que era uma cobra! Meu Deus do céu, era sim! Deslizava de um galho ao outro sem se importar com minha presença. Fixava em mim dois olhos amarelos. Distante alguns centímetros, aquela serpente verde esticava sua língua e parecia me desafiar.
 
Em estado de choque, não reagi. Fui invadida por sensação de repulsa, misturada com pavor, enquanto ela chegava perto do ninho à minha frente farejando, procurando os filhotinhos, se preparando para dar o bote.


Todo meu corpo imobilizado. Preso no alto daquela árvore. Mãos trêmulas, boca seca, olhos arregalados, sem ter certeza do que viam. No meu subconsciente, a tristeza por não ter coragem de salvar a vida dos passarinhos.

Eu estava num beco sem saída, impotente ,apesar de ter certeza que a vida dos filhotes de canarinho serem mais importantes que a daquela cobra.

Após alguns instantes ela saiu resvalando-se silenciosamente, misturando sua cor à das folhas, fugiu mundo afora... Eu não sentia gosto de mais nada. Só um frio no estômago, um mal estar, uma vertigem... Faltava-me o ar, a brisa suave não soprava mais.

 
                      

PS:  As imagens  encontrei no Google. A cobra era dessas verdinhas mesmo, muito parecida com a da foto.

 Esse texto foi escrito para o EC de hoje. O tema é "Num beco sem saída"Leia os outros autores, acesse o link:

http://encantodasletras.50webs.com/emumbecosemsaida.htm
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 09/12/2013
Reeditado em 09/12/2013
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