A minha tia Nair

Nair é um bom nome para uma professora? Penso que sim, e a minha tia Nair era professora. Leiga. E boa. Boa que estou falando é no ensino. As outras bondades ficam pra mais adiante do texto. Era... que coisas digo primeiro? Do físico? Sim, vou então começar por aí. Era o de uma mulher de porte médio, magrinha, pele muito clara, cabelos castanhos finos, longos e lisos, entre os tons muito claros e quase loiros. O sol da mata do Ipanema caprichava nas luzes naturais, falo desse processo moderno de deixar cabelos claros. O salão de beleza de minha tia era a natureza e seus caprichos. Quanto ao rosto, ficava bem vermelhinho quando lavava roupas no riacho, cantando e batendo as peças nas pedras entre as águas cristalinas. Passavam por perto, mansas, algumas piabinhas que davam a impressão de ouvir o canto da professorinha de pernas finas como as dos passarinhos e um busto tão bonito que faria inveja às moças de hoje. As extremidades dos seios eram como duas rosinhas flutuando naquele riacho, e ela estava consciente dessa maravilha. Tá bom de descrição física. Mas, a psicológica? Era uma jovem mulher, àquela época em que todos os sobrinhos adoravam ir ao sítio da Mata do Ipanema, alegre, festiva, pé de ouro no forró e de muita coragem para criar bem os filhos naquelas paragens cheias de cajueiros e jaqueiras, tudo brilhando de sol e ao som do canto dos passarinhos e do mugido dos bois. E como era a mulher casada Nair? Casou-se com um homem bem mais jovem que ela, mas que não a trocaria pela mais bela brasileira. O marido era agricultor e nem prestava atenção nessas coisas de estrangeiros. Então, tanto fazia que existisse a francesa, quanto a inglesa. Para ele, a mulher era Nair, a única, a tudo de bom. Nair alfabetizou o povoado inteiro, inclusive o marido que viera das bandas do Estado da Bahia. Viviam de amor, de criar os filhos, de comer boas comidas interioranas. A casa cheia de gente, a enorme panela de barro, no domingo, fervendo colorida e espalhando por aquele mundão o cheiro da carne frita, carne novinha, do boi abatido naquela madrugada. Era um comer sem fim, chupar cajus também, comer uma jaca docinha, tomar café torrado em casa. Chegava a noite sempre linda, fosse inverno ou verão. Naquele dia em que havia um forró, as emissoras de rádio anunciavam o forró da tia Nair, na Mata do Ipanema, em Itaporanga. Ô coisa tão linda e bem boa. No finalzinho da tarde vinham chegando os cavaleiros, os vaqueiros, os solteiros, os casados. Apeavam os belos cavalos, orgulhosos tanto disto como se mostrassem o famoso Camaro amarelo. As moças todas suspirando, já escolhendo em silêncio os seus pares para arrastarem as chinelas no forró. Eu também, claro. E tem lá coisa melhor neste mundo de que sentir um braço forte de um cavaleiro daqueles em uma cinturinha fina enquanto se dança? Tem nada! Por último e sob muita expectativa vinham os do grupo de tocadores: o sanfoneiro (peça principal) e seus auxiliares com o triângulo e a zabumba. Eitaaaaaaaaaaaaa, puxe o fole, sanfoneiro. Ele obedecia e tocava a noite toda, quase sem intervalo. A dona da casa dançando e animando os convivas, as moças querendo cavalgar pelos campos e os moços já quentinhos na pinga boa do alambique. Eu escreveria um romance sobre a minha tia Nair, mas deixo a narrativa por aqui para que todos possam dançar no forró de Itaporanga, nem que seja na imaginação. Eu dancei menina, dancei moça solteira, dancei casada e ainda quero ir lá dançar de novo, matar as saudades do tempo da tia Nair, que tomava um licor de jenipapo e dançava até o sol raiar, seguindo, depois, para o riacho onde lavava a roupa, os pratos, as panelas e o coração, mas sempre cantando. Ainda tenho que incluir que a personagem central, a tia Nair, era a caçula e a única mulher entre os filhos da minha avó Agripina.