O garoto ainda não sabe
O garoto ainda não sabe que aquele fim de tarde será muitas vezes evocado ao longo da vida. Por enquanto ele apenas aguarda ansioso o toque do sinal que anuncia o término de mais um dia de aula. Meio escondido da professora, já começou a guardar sua coisas dentro da mochila. E quando finalmente toca o sinal, é com a mesma euforia de seus colegas que ele se levanta e corre para a porta.
Quando chega lá fora descobre que está chovendo. Normalmente ele vai a pé até o serviço do pai, mas em dias assim ele espera que o pai venha buscá-lo de carro. Certo de que é isso que precisará fazer desta vez, o garoto se distrai em rodinhas com seus colegas, que também esperam os pais ou a saída de alguma van. Por enquanto a saída da escola está bem movimentada. De vez em quando um carro estaciona o mais próximo possível e uma criança entra rapidamente, para não se molhar muito. Daqui a pouco será a vez do pai do garoto. Sabe que não precisa nem avisar: o pai virá. Mas dali a alguns minutos o movimento diminui, seus colegas vão embora e só ficam na escola o garoto e dois meninos menores que ele não conhece. Realmente, o pai está demorando mais do que o normal. Olha no celular para ver se tem alguma mensagem: nada. Decide esperar um pouco antes de ligar a cobrar para o pai. Sabe que ele é um homem ocupado, deve ter se enrolado no trabalho, mas daqui a pouco ele aparece, como sempre apareceu.
Agora o pai dos dois meninos aparece e os leva embora. Só ele fica. Olhando ansioso para a curva por onde deve despontar o carro do pai. De vez em quando o garoto vê um professor saindo atrasado também. Um deles percebe a sua solidão e pergunta quem ele está esperando. E tenta consolar: “Daqui a pouco ele chega”. Só que não.
O garoto ainda não sabe, mas quando o pai saia do trabalho e caminhava na direção do seu carro foi abordado por dois assaltantes, tentou reagir e levou dois tiros. O garoto ainda não sabe que seu pai nunca aparecerá para buscá-lo.